Capítulo Trinta

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Khione

Estella cai em meus braços de repente, seus olhos estão negros como as noites de inverno, seu corpo pálido e gélido. Coloco a cabeça contra seu peito tentando ouvir seus batimentos mas nenhum ruído sequer existe. O desespero começa a tomar conta de minha mente e grito, grito por ajuda o mais alto que consigo, tão alto que se possível todos os reinos escutariam.

— Khione? O que ouve com ela? — Psyche abaixa-se colocando os dedos no pescoço de Estella para ver seu pulso.

— O coração dela, o coração dela não está batendo Psyche. — Digo com algumas lágrimas caindo em minhas bochechas.

— Fique calma, vamos levá-la para o terceiro andar, Kastian deve saber o que fazer. — Pegamos seu corpo erguendo-o no ar. Os degraus tornam nosso trabalho difícil, ao primeiro lance meus pulmões queimam a cada inspiração que faço, minha boca está seca pelo esforço, mas meus braços não vacilam em nenhum momento, olho para Psyche, vejo um rosto preocupado como nunca antes havia visto e entendo que nem ela em tantos anos de existência aprendeu a lidar com a morte. Em um rompante ela apressa seus passos quase que correndo escadaria a cima, com um pouco de esforço a acompanho e finalmente chegamos ao terceiro andar. Psyche dá um pontapé na porta a nossa frente já que suas mãos estão ocupadas, várias camas estão espalhadas pelo local, colocamos Estella sobre uma delas que está acoplada a um dispositivo que não consigo reconhecer.

— Chame Kastian, seja rápido, diga que é sobre Estella. — Grita para um guarda que passa que imediatamente aciona um botão em sua armadura.

— Ela estava bem, me contando sobre Lilith, sermos irmãs, mal conseguiu terminar de dizer isso, não posso perde-la Psyche, não agora.

— Ei, vamos dar um jeito. — Diz segurando minha mão e logo em seguida me puxando para um abraço. — Vai ficar tudo bem. — Sussurra em meu ouvido.

— Onde ela está? O que aconteceu? — Kastian para em frente a porta com a respiração ofegante, acredito que tenha corrido até aqui. Seus olhos pairam onde Estella está, sua postura se desfaz e em segundos está aos pés da cama ajoelhada, encostando as mãos no corpo sem vida de sua nova amada.

— Sabe o que houve? — Psyche indaga.

— Ainda não, mas em breve saberei. — Uma tela verde aparece pairando sobre minha irmã, como se estivesse escaneando cada pedaço seu.

— Lilith pode ter algo a ver com isso. — Digo e Kastian me encara.

— Lilith? — Suas sobrancelhas se erguem. Meus olhos procuram o de Psyche em busca de que ela explique mas sua cabeça está abaixada.

— Se lembra quando lhe contei nos jardins sobre meu aprisionamento?

— Ah, claro, mas qual a relação disso com Lilith?

— A voz que fala em minha mente é Áster, a rainha angelical, e sou filha dela, Estella também tem um aprisionamento, Lilith é quem está nela.

— Vocês seriam irmãs se isso for verdade. — Diz surpresa.

— Está certa, somos irmãs.

— Ela soube que estava aqui, tentou tomar o corpo de Estella novamente para te ver. — Psyche diz focando a atenção na tela verde que ainda está ali. Um som interrompe que os lábios de Kastian produzam alguma palavra, a rainha olha o painel por alguns segundos e em seguida o mostra para a antiga companheira. — Acho que sei o que a deixou assim. 

— O que? — Pergunto preocupada, pois por sua face posso perceber que não é uma coisa fácil de reverter.

— Uma droga. — Seus olhos miram o chão e sei que está com raiva e vergonha. — Tem coisas sobre Estella que vocês não sabem, nem ela própria se lembra, mas devido as circunstâncias pressuponho que esteja na hora de saberem. — Olho para ela aflita por suas próximas palavras, Kastian também a fita porém impaciente, imagino que como eu não saiba do que se trata. — Eu criei Estella.

— O que disse? — Falo perplexa.

— A guerra nos céus, não participei mesmo sendo general, nem ao lado de Lilith nem ao lado de Samael, eu estava aqui em Elphia quando tudo aconteceu. Pelo fato do reino angelical ser o mais próximo daqui consegui ver uma nuvem de fumaça enorme no ar, coisa que me deixou intrigada, não achei que de fato haveria uma guerra, então resolvi ir até o penhasco que nos divide dos céus e lá estava ela, chorando enrolada em lençóis sujos de sangue, reconheci imediatamente a princesa infernal, peguei Estella em meus braços e nos teletransportei para minha casa, a escondi até saber que Samael havia morrido na guerra. Com ele morto o inferno voltaria a ser um lugar seguro para ela, pensava eu, e como me enganei. — Psyche esboça um sorriso triste e olha para Estella. — Quando a morte de Samael foi anunciada todos acharam que Lilith voltaria a governar, mas ela havia desaparecido, então os dois generais mais respeitados do inferno assumiram o controle, Yaza e eu. Estella morou em minha casa até completar dois anos, cuidava dela como se fosse de minha família, em parte por que ela me fazia lembrar de minha irmã. No seu segundo aniversário Yaza disse que havia desenvolvido uma droga que reforçaria nossos poderes já que nossa pedra central tinha sido destruída, mas ele precisaria de um corpo forte o suficiente para aguentar as diversas mudanças que essa droga poderia ter ao longo do tempo, sugeriu que usássemos Estella como cobaia para os testes, por ela ser da linhagem real seu corpo era mais forte do que de todos os outros demônios. A princípio reprovei a ideia mas percebi que se não aceitasse ele iria utilizá-la de qualquer maneira e ainda me deixaria de fora de todo o processo, entãoo preferi acompanhar o que aconteceria para protegê-la. Os testes começaram com doses baixas da droga no organismo dela,mas as reações já eram fortes, falta de fome, palidez, desmaios, dentre outras coisas, comecei a ficar preocupada com a saúde dela mas Yaza insistia de que tudo ficaria bem, que fazia parte do processo, em breve ela estaria melhor e com seus poderes mais visíveis apesar de ser uma criança, porém não foi isso que aconteceu. Ela piorou cada vez mais, eu quis tira-la disso tudo mas ele insistiu pedindo um pouco mais de tempo. Lembro claramente do dia em que teve seu primeiro coma, ela tinha acabado de fazer quatro anos, seu estado havia melhorado e estava brincando com crianças que faziam parte de outro experimento de Yaza, o mesmo objetivo mas com dosagens diferentes por seus corpos serem fracos para aguentar o mesmo que Estella. De repente caiu no chão seus olhos ficaram negros do jeito que estão agora, a pele fria e empalidecida e totalmente sem pulso, achamos que tinha morrido. Entretanto, um tempo depois sua pele foi retomando a cor e em um instante ela abriu os olhos como se nada tivesse acontecido. Depois disso fiz Yaza suspender as doses diárias que administrava para ela durante um ano, mas depois desse tempo não consegui mais impedi-lo e os testes voltaram. Piores que antes muito mais intensos, nesse mesmo período fui expulsa do inferno e desde então estive sem notícias dela. Quando vocês entraram no carro a procura de Arwen a reconheci, quis perguntar o que lhe aconteceu durante todo esse tempo, mas vi que não tinha memória então preferi não confundi-la com fatos passados.

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