Capítulo 3

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01 de março de 2026 (11:30 - Cochem, Alemanha)

Alice

— Lily! — Chamo uma vez, sem o mínimo sinal de resposta. — Vem almoçar. Lily! — Nada.

— Alice, eu acho que ela não está te ouvindo. — Suspiro. Não é culpa dela né?

— Lexie, você termina de organizar tudo aqui?

Lexie é quase meu anjo da guarda. Quando me mudei para cá, a conheci na faculdade que é em uma cidade próxima daqui. Depois da morte dos meus pais, precisando de alguém para dividir as despesas e ajudar com um bebê, a garota com cabelos cacheados se voluntariou. Como nossas aulas eram invertidas, podíamos nos revezar com os cuidados. Há dois anos eu me formei e comecei a trabalhar aqui na cidade mesmo, facilitando um pouco as coisas para minha amiga, que está há poucos meses da formatura.

— Vai lá. — Ando pelo único corredor da casa e bato na porta do quarto da garotinha, que é imediatamente de frente para o meu.

— Lily, Lily! — Tento chamar, mas então noto algo jogado em cima da cama e confirmo as suspeitas. Me aproximo e cutuco no ombro da menina, que até então, estava de costas para mim. — Eu já falei que se for ficar sem o implante é pra avisar antes. — Sinalizo, ao mesmo tempo que falo.

Lily não nasceu surda, mas com pouquíssima audição. Na época os médicos falaram que deveríamos tentar estimulá-la para ver se ela recuperava pelo menos um pouco, mas cometi o erro de não procurar uma segunda opinião e só aos quatro anos o implante coclear foi realmente considerado importante. Nesse ponto, a perda de audição já estava entre moderada e severa. Lily fala algumas coisas e consegue ler lábios muito bem, mas mesmo depois de quase um ano, não se acostumou com o implante e odeia usá-lo.

— Eu esqueci, não gosto dele e tirei pra brincar. — As Barbies espalhadas pelo chão indicam o grau de concentração dela e eu ignoro. Não é ela que precisa se adequar ao meu modo de vida, certo? Vamos pensar em algo para facilitar essas situações.

— Vem almoçar, que eu preciso ir trabalhar.

— Não quero. — Céus.

— Lily, não tem essa de não quero. — Ela não dava muito trabalho pra comer, mas ultimamente tem tentado ser mais esperta que eu. — Vem.

— Eu não tô com fome. — Minha filha cruza os braços emburrada e eu respiro fundo.

— Lily por favor, eu preciso sair e a Lexie tem que estudar depois, não vai poder ficar só por sua conta.

— Posso ir pra lanchonete com você? — Alguns dias ficam complicados e ela precisa ir, mas eu realmente odeio ter que levá-la.

— Você sabe que não.

— Posso ficar sem o implante? Por favor, ele me incomoda demais. — Ela faz bico e eu penso um pouco.

— Pode, mas se a Lexie pedir, você coloca, sem reclamação. — É como eu disse, não é ela que precisa se adaptar, mas peço que use o implante longe da gente por pura precaução.

— Tá bom.

— Agora vem chantagista. — A pego no colo e vou para a cozinha, encontrando Lexie já sentada na mesa.

— Finalmente vocês vieram, eu tava quase comendo tudo sozinha. — Ela brinca com a garotinha, agora sentada na cadeira, usando uma almofada alta para alcançar o prato direito.

— Podia ter comido minha salada. — Mais um problema que tem aparecido com o tempo e eu tenho quase certeza que tem algo relacionado com a comida da escola.

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