Capítulo 14

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14 de março de 2026 (08:30 - Cochem, Alemanha)

Alice

Ontem Lexie avisou, mas eu esqueci de falar com a Lily antes de ir dormir. Agora tenho uma criança de cinco anos comendo o café da manhã com o cabelo todo atrapalhado e os olhos arregalados por estar sendo apressada para se arrumar tão rápido em um sábado. Bom, pelo menos ela já tomou banho e Lexie está vindo com a mochila dela pronta e a escova para arrumar o cabelo da menina.

Ter dois empregos nunca foi a melhor opção, mas é o que nos garante sobrevivência já que o valor do aluguel da casa em Los Angeles não é alto. Lexie sempre foi super prestativa nessa questão. Aos sábados eu trabalho período integral, aos domingos apenas na parte da tarde. Nesse tempo, minha amiga cuida de Lily... pelo menos nos dias em que ela não tem alunos para dar aula. Normalmente eles vão até a nossa casa, mas alguns pais querem que Lexie dê aula na casa deles, o que nos complica e faz com que situações como a de hoje sejam corriqueiras.

Carrego minha filha no colo para ir mais rápido e não me atrasar para chegar na lanchonete. A mochila dela, pendurada no meu braço, bate nas minhas pernas e eu tento me concentrar nisso para não me embolar e cair. Entro pela porta dos fundos e algumas pessoas já me olham torto. Não gostam muito quando eu trago a Lily, mas essa questão já foi conversada com o dono e com os gerentes, que garantiram que não tem problema algum se forem casos isolados, e não finais de semana consecutivos. Coloco meu avental, prendo meu cabelo em um rabo de cavalo alto e firme, pego meu tablet para anotar os pedidos, coloco Lily sentada no chão, atrás do balcão, em uma área onde as pessoas normalmente não passam e me preparo para começar mais um dia de trabalho.

— Ei, já sabe tudo né? — Falo com ela, mas sou ignorada. — Lily? — Chamo a atenção da menina cutucando seu ombro.

— Ah. Oi. — Depois de todo esse tempo, eu ainda precisar falar sobre o implante quase tira minha paciência, mas não quero um show aqui.

— Implante. Agora.

— Mas eu não gosto.

— Mas aqui você precisa. — Sou firme e ela cruza os braços, tentando me desafiar. — As pessoas não sabem sinais e podem precisar que você dê licença. Fora que pode acontecer alguma emergência.

— Tá bom.

— Quer ajuda?

— Não. — Ela não está nada feliz com a situação, mas eu prefiro que ela fique segura do que contente.

— Alice. Mesa dois. — Sou chamada e dou um último aviso para minha filha, antes de sair de perto dela.

— Fica aqui.

Anoto o pedido dessa e mais três mesas antes de voltar para a cozinha. Esse lugar as vezes parece muito pequeno pra quantidade de gente que fica aqui dentro, mas também parece enorme para ter apenas uma pessoa atendendo como agora. Confirmo que enviei todas as comandas do meu sistema para a cozinha e volto para perto de Lily, que já tirou o livro de colorir da mochila e parece não se importar com o caos ao seu redor.

— Dia difícil? — Peter, praticamente o único aqui que gosta de mim, se aproxima. Ele deveria estar trabalhando na cozinha hoje.

— Tio Peter! — Lily se levanta e vem até nós. Meu amigo a pega no colo e ela sorri. Pelo menos alguém aqui não odeia minha filha.

— Ei baixinha, como vai?

— Bem.

— Isso é maravilhoso. Deixa eu ver o que você está colorindo? — Ela mostra o livro para ele, que abre um sorriso e eu fico feliz de ter alguém que a trate tão bem desde pequena. Quando nos tornamos amigos de verdade, Peter quis até assumir Lily como filha, mas eu nunca permitiria algo assim. — Nossa que lindo. Você vai ser uma artista quando crescer.

— Eu vou ser dançarina, tio. — Ela olha para mim e eu imploro mentalmente que ela fique de boca fechada. — Igual a mamãe. — Droga.

— Lily, volta pro seu lugar. Nós precisamos trabalhar. — Peço com calma e ela obedece rapidamente.

— Dançarina? — Peter me encara com um sorriso forçado.

— Ela tem a imaginação fértil. Viu fotos de quando eu fiz balé, na idade dela, e cismou com isso. — Não é completamente uma mentira, e é melhor do que a verdade, ninguém aqui precisa saber de algo que nunca deu certo.

— Ela vai ficar aqui o dia todo?

— Não. Lexie vem por volta da hora do almoço. — Ainda bem.

— É uma pena. Gosto da baixinha por perto.

— Você é o único. — Vejo uma das outras meninas tendo que pular por cima das pernas da garotinha e chamo a atenção dela. — Lily, filha. Não atrapalha os outros.

— O pessoal aqui só não está acostumado a ter educação.

— Também não é assim. — Ironizo. Educação por aqui é raridade.

— Alice! — Ouço um barulho alto, que também chama a atenção dos clientes e olho para o lado. Vejo minha filha no chão, junto com uma bandeja e alguns porta guardanapos vazios. — Assim não vai dar.

— Lily, você está bem? — Peter pergunta para minha filha, enquanto eu ajudo a recolher as coisas pelo chão.

— Tô. — Ela olha para mim, envergonhada pelo que aconteceu. — Desculpa, eu queria mostrar o outro desenho que eu fiz.

— Está tudo bem, não precisa se desculpar.

— Você tem certeza que não se machucou? — Preciso confirmar a informação. Olho na cabeça dela, para confirmar que não há nenhum corte.

— Tenho. Só tá doendo um pouquinho. — Alguém me entrega uma bolsa térmica com gelo e eu coloco na cabeça da menininha.

— E o implante?

— Tá normal. Não sai fácil assim. — Ainda bem, porque se isso quebra, levo anos para conseguir comprar outro.

— Menos mal.

— Filha, volta pra lá e fica quietinha, tá? — Ela segura o gelo e volta devagar para o lugar onde estava.

— Tá bom.

— Ela é só uma criança, não quis fazer nada de mal. — Dessa vez me dirijo a garota que praticamente atropelou minha filha.

— Você não deveria trazê-la. É seu local de trabalho, não uma creche.

— Quando você souber de uma que atenda aos finais de semana me avisa então. — Ela fecha a cara e volta para a cozinha.

— Não liga, sabe como são.

— Sei.

— Pedido da mesa dois.

— Minha hora. Quando puder, vê se ela tá quieta e qualquer coisa me chama. — Peço ao meu amigo, sabendo que não é tão fácil assim para ele.

— Vou ver se consigo um lugar pra ela ficar lá dentro comigo. — Se ele fizer isso vai ser uma maravilha. Lá dentro tem lugares mais seguros e escondidos, que garantem mais a segurança dela, mesmo que eu não possa ficar sempre de olho.

— Perfeito.

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