Capítulo 22

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15 de março de 2026 (10:20 - Cochem, Alemanha)

Alice

Tive menos de 24 horas para pensar em como contar para Lily que de uma hora para outra o pai dela apareceu. Até ontem ela tinha a ideia de que ele nem ao menos sabia sobre ela, e agora vai encontrá-lo. Eu espero que a inteligência e a esperteza dela sejam úteis nesse momento porque vai ser muita coisa para a menina processar em pouco tempo. Observo minha filha brincando no chão da sala, enquanto Lexie ao meu lado, me envia forças apenas com o olhar. Ela sabe tanto quanto eu que esse encontro pode dar errado de muitas formas.

— Pode nos dar um tempinho?

— Todo do mundo. Vai com calma que ela vai entender direitinho. — Ela se levanta e sai do cômodo, me lançando um último olhar encorajador.

— Lily. — Toco no ombro dela e me sento ao seu lado. — Preciso conversar com você.

— Eu fiz alguma coisa errada, mamãe?

— Não, meu amor. — Faço uma pausa e passo a mão pelo cabelo dela. Os fios castanhos estão um pouco abaixo do ombro e lembrar do desafio que foi até crescerem bem me dá uma pontinha de coragem. Já passamos por muita coisa, vamos passar por isso. — Você não fez nada.

— E então o que é?

— Tem uma surpresa pra você. Uma coisa que você sempre quis e sempre me pergunta sobre. — No início ela parecia confusa, mas assim que termino a frase um sorriso se abre e os olhos dela brilham. Como ela pode amar tanto uma pessoa que nem sabe quem é?

— Meu pai?

— Ele mesmo.

— Você vai me contar quem ele é? — Por pura e espontânea pressão, mas sim.

— Melhor. Vocês vão se encontrar hoje a noite.

— Jura, mamãe? Eu vou conhecer o papai?

— Vai sim. — Tento parecer tão empolgada quanto ela. Lily é só uma criança que não tem absolutamente nada a ver com as confusões que eu criei. Merece ficar feliz com essa notícia. — Mas temos que conversar sobre ele antes, o que acha?

— Eu quero.

— O que você quer saber sobre ele? — Prefiro que ela faça as perguntas, assim é mais fácil evitar que eu fale demais.

— Como ele chama?

— Louis. — Sinto um arrepio e tento disfarçar. Isso precisa dar certo.

— Quantos anos ele tem?

— Acho que está quase fazendo 25. — Há tempos me perdi nessas contas e não tenho muita noção mais.

— Ele trabalha?

— Você vai amar essa parte. Seu papai é cantor. Um cantor muito famoso. — Ela se empolga e fica feliz em saber que o pai é artista.

— Isso é incrível. Ele faz show?

— Muitos. De tarde pede a Lexie pra colocar algumas músicas dele pra você escutar.

— Tá bom. — O silêncio permanece, mas eu percebo que ela só está pensando em mais perguntas, então espero pacientemente pela próxima, que é uma das que eu estava esperando receber. — Ele vai conseguir falar comigo?

— Vai sim, filha. Eu fiz questão de te ensinar inglês desde bebê pra quando esse dia chegasse. — Não só por isso, mas ela não precisa saber disso. — Mas você vai precisar usar o implante, combinado?

— Ele não sabe os sinais?

— Não, mas você pode tentar ensinar. Acho que ele vai gostar de aprender. — Ou então vai ter uma má vontade insuportável. Espero que seja a primeira opção.

— Vou ser a professora dele. — E novamente o sorriso vai embora. Eu daria tanta coisa pra saber tudo que se passa por essa cabecinha...

— Ei, o que foi? Não quer mais ensinar seu pai?

— Mamãe, ele sabe que eu sou menina, né? — Por um segundo meu sangue ferve. Não posso dizer para ela que o pai não recebeu a notícia muito bem, seria muita crueldade. Até porque, no final de tudo ele pareceu pelo menos um pouco receptivo.

— Sabe sim, fica tranquila.

— Mas ele sabe de tudo?

— Filha, eu não vou mentir pra você, ele sabe sim. — A feição preocupada dela me incomoda. Não gosto disso. Vê-la dessa forma só nos leva de volta para o início da transição dela. — Mas ele não se importa com isso, seu pai quer te ver feliz, tudo bem?

— Eu que queria ter falado. Depois que ele me visse de menina. — Ela tem tanto medo da forma que vai ser tratada que me parte o coração. Acho que ela nunca tinha imaginado que o pai ficaria sabendo sobre ela ser transgênero.

— Eu sei, mas ele acabou descobrindo. Eu não contei seu nome antigo pra ele, fica tranquila. Isso é sua decisão. — Consigo ver um sorriso fraco e respiro aliviada. Nem tudo está perdido.

— Assim é melhor, não ia gostar dele me chamando com aquele nome.

— Eu imaginei. Nós dois conversamos e ele vai te respeitar, mas se em algum momento você se sentir desconfortável é só avisar. — Teoricamente essa conversa ainda não aconteceu, mas vai acontecer mais tarde, antes deles se encontrarem. Ele querendo ou não, nós vamos falar sobre isso.

— Eu tenho medo dele me ver como um menino. — Entendo o que ela quer dizer. Ela não queria que o pai tivesse a ideia inicial de que tinha um filho, com medo dele chegar esperando encontrar um menino. É exatamente o que aconteceu. — Eu não gostava quando as pessoas faziam isso.

— Fica calma, seu pai sabe disso. Lily, você não precisa ficar com medo dele, ele é uma pessoa legal. — Ou eu espero que ainda seja. Pelo menos com a própria filha.

— Você vai estar aqui quando ele chegar?

— Vou. — Mais um sorriso. — Agora quer colocar alguma música do papai pra ouvir? — Prefiro mudar de assunto antes que perguntas impossíveis comecem a ser feitas.

— Quero sim.

— Põe o implante enquanto eu escolho alguma aqui.

— Obrigada mamãe. Eu te amo. — Ela me dá um abraço apertado e eu entendo que aquele agradecimento não foi "apenas" por estar prestes a conhecer o pai, mas todo o conjunto. Por ter sido sincera com ela.

— Eu também te amo, estrelinha. — Não posso te perder, não posso sequer sonhar em ficar longe de você e vou fazer o que for preciso para garantir sua felicidade. 

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