Velhas Memórias 1/5

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Trigger Warning: Violência, Abandono

Amei escrever esses flashbacks. Muito intensos, uma parte cruel da história da protagonista, um conto de rejeição, traumas, dor e vingança.

Gostariam de ver uma lista dos problemas psicológicos dos personagens?

Temas sensíveis nos próximos capítulos (acho que a história desde o inicio já é bem obscura mas leiam com cuidado)

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Dez anos atrás.

Axel Adonis colocou sua maleta na mesa, ele abriu rapidamente e checou o conteúdo. O dedo decepado do cliente que tentara enganá-lo ainda tinha sangue debaixo da unha, e um belo anel ao seu lado no estofado.

Naquele dia, Shivani entendeu com o que seu pai trabalhava. Ela tinha em anos menos do que em tamanho e na época não usava esse nome. Espiou atrás da porta do escritório enquanto seu pai mandava endereçar a maleta para a casa de família do cliente. Ela sempre foi uma criança esperta, e soube que seu pai era diferente dos pais com quem a dama que lhe educava tinha trabalhado antes, toda manhã durante suas aulas ela via a mulher tremer.

- Entre, Raquel. - O pai tinha percebido que ela estava ali, escondida. Shivani entrou com seus sapatinhos de sola de cobre fazendo eco a cada passo. Axel a achava adorável, ela tinha o seu temperamento, irritável e ambicioso, e a aparência de sua mãe, cabelos encaracolados, nariz longo e curvado. Mas ela ainda tinha os olhos dele. - Venha aqui.

Ele a sentou no seu colo de frente para a maleta aberta. Shivani, - ou melhor, Raquel - torceu o nariz.

- Sabe o que são albatrozes? - O homem lhe perguntou pinçando suas bochechas avermelhadas. Os olhos dela ainda estavam no conteúdo da maleta, no dedo meio azulado bizarro. - Eles têm a maior envergadura das aves marinhas. Nadam, voam e andam. Incrível, não?

Havia o desenho de um albatroz no anel na maleta. Raquel criou coragem e o agarrou colocando entre suas mãos. Axel não a impediu.

O ouro cintilou, um belo presente que iria com o terrível aviso.

- Muitos livros os chamam de "Mais Lendária das Aves", podem ser bons presságios ou anunciarem uma tempestade. - Axel envolve a mão dela na sua, olhando para o anel entre ambas. - Alguns marinheiros dizem que eles são a encarnação dos homens naufragados.

- Nau-fra-gar... no céu? - Ela perguntou, a palavra se enrolando em sua língua infantil, ela nunca tinha ouvido falar de um navio que naufragasse em pleno vôo. O pai apenas riu, ela nunca havia visto o mar, apenas os navios voadores, nenhum navio estava nas águas além de um único e odioso, mas isso não importava.

- Cada um dos aneis do papai significam uma coisa. Esse aqui, o primeiro naufrágio do papai. Você quer esse? - Ele perguntou e a pequena fechou a mão em torno do ouro. - Dê um significado à ele.

Ela pensou por um momento.

- Mamãe. - Disse.

Axel Adonis não sorriu, mas também não bateu na criança nem a repreendeu. Ela teria outros anéis no futuro, novos significados, depois que os velhos se fossem.

A mãe de Raquel era alguém que a menina idolatrava, mesmo que visse poucas vezes. O amor dela era mais reservado do que o do pai.

- Sabe o que eu faço quando meus anéis perdem o significado, Raquel? - Ele colocou o anel no dedo pequeno que deixava muita folga mesmo que gorducho. Ela sacudiu a cabeça. - Eu os enterro.

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Com o tempo, o anel parou de cair de seu dedo.

Preto Cinza e Tempestade - FortunataOnde histórias criam vida. Descubra agora