Viagem só de Ida

162 39 5
                                    

Após o incêndio, os piratas desabrigados recolheram todas as coisas que restaram. Shivani passou um segundo dia em completo silêncio. Após enterrar o anel, ela apenas ajudou a recolher os mantimentos que sobraram, preparar a viagem e a enterrar as vítimas. Seus insultos e xingamentos foram guardados, seu ódio havia esfriado e ela se movia rapidamente como uma casca vazia.

A pirata passara parte do tempo ajudando Aulak, ele estava deitado numa tenda improvisada com outros feridos, fraco e pálido depois de ter sido atacado e esfaqueado diversas vezes. Shivani trocou os panos que enrolavam seus fetimentos e cuidou dele enquanto não acordava, rugas de preocupação criavam uma fenda em sua testa a cada respiração pesada demais.

O Capitão e os piratas estavam de luto. Asmus caminhava por aí, observando sem ajudar em nada, ninguém mais se importava com o fato de ele estar na Ilha. Isso não o incomodava, o fato de Shivani estar anestesiada é que lhe provocava horror e repulsa.

Ele queria que ela gritasse com ele por estar vagando como um inútil. Onde estaria a diversão naquele navio entediante se ela ficasse daquele jeito para sempre? Ele caminhava observando as cinzas, chutando um objeto chamuscado ocasionalmente, desenhando nos braços com os dedos cheios de fuligem, esperando Shivani lhe repreender. Ou dizer qualquer coisa.

Mas desde que aquele canto saira de sua boca, o anel atingiu a terra com um som abafado e ela se calara.

Quando todos os cento e setenta e sete navios estavam preparados para zarpar, os piratas se aprontaram. Era um adeus para sua ilha, seu refúgio e casa amada por tantos anos, Shivani subiu na vela, escalando as cordas em seus nós de marinheiros. No ponto mais alto do maior navio ela anunciou.

- Homens! - Seus cabelos castanhos balançavam com os ventos, seus cachos se enrolando em si mesmos, enquanto emolduravam seu rosto. O sol atrás dela lhe fazia parecer etérea. Neste momento, ela era a verdadeira deusa dos Nove Mares. - Hoje nos despedimos do nosso amado abrigo. Não por sermos fracos, por precisarmos de socorro ou guarita. Mas por sermos fortes. - Sua voz era um grito no abismo, um manifesto de consolo. - Homens da lei que se dizem corretos e justos, eles chamam nosso lar de covil e queimam nossas plantações. Aqueles que escravizam, que exploram e vendem. Iludem e prevalecem, destroem a natureza e constroem suas fábricas, seus castelos e suas máquinas. Abusam e enganam, enchem seus bolsos com a dor dos pequenos e odeiam o amor. São eles, melhores que nós piratas?

Os gritos em negação chegaram até ela, Shivani sorriu.

- Não. Nós podemos ser sujos e descarados mas ao contrário deles, não criamos regras em nosso benefício para esconder nossos atos vis. - Ela cuspiu, a aura de ódio voltava a aparecer. Shivani não havia apagado, ela estava alimentando seu combustível. - Nós somos os conquistadores das águas! Nós os encontraremos e nos vingaremos. Nossa dignidade é sem escrúpulos e nossa coragem não é nobre. Se nós não merecemos isto - Ela gesticulou para sua ilha, sua paz e seu domínio. - Eles tampouco merecem.

Os gritos de concordância dos piratas subiram aos céus. Não era um discurso bonito, era um discurso pirata.

Os olhos de Shivana brilhavam em fúria, a tespestade havia se tornado um tsunami. Asmus soube que assim que partissem, ela passaria pela costa como um, devorando e afogando tudo em seu caminho.

🌙 🌙 🌙

Quando todos os navios zarparam a pirata se trancou em sua cabine. Almoçou lá mesmo, e não foi ver Aulak mesmo preocupada.

Shivani passou as mãos pelos cabelos, debruçada sobre sua mesa de mapas. Ela estava focada como um leopardo em caça. Um rápido inventário de suas armas passou por sua cabeça enquanto ela amarrava os cabelos em uma trança longa.

Preto Cinza e Tempestade - FortunataOnde histórias criam vida. Descubra agora