História de Ninar

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Dois dias depois.
Porão do Clérigo do Mar

Shivani passou os dedos nas barras da cela pela centésima vez. O som metálico ecoava como um instrumento musical. Ela estava angustiada. Realmente.

- Estou quase arrancando essa cela de perto de você.

- Eu estou dentro dela. - Shivani rebateu. - E eu disse para não tocar em nada.

Asmus bufou, um sorrisinho maroto no canto dos lábios. Ah, ele estava realmente ficando irritado. Asmus odiava ficar preso, lhe dava comichões. Uma das coisas que Shivani aprendeu convivendo com ele, depois de prende-lo várias vezes. O porão não era dos melhores aliás, tinha um cheiro amargo de sujeira e sal e sangue. Irritava as narinas de qualquer um.

- Ainda não entendo por que estamos nos rendendo. - Ele lançou um olhar para ela da outra cela. Shivani sabia que Asmus podia calmamente tirá-los dali. Poderiam tomar o navio daqueles poucos oficiais, dar meia volta e jogá-los aos tubarões. Mas ela não queria. - Só estou obedecendo porque conheço sua cara quando está planejando.

- Não estou planejando. - Disse ela enquanto planejava. - Estou esperando.

A porta foi aberta de supetão e Khrysaor caiu tropeçando pela escada. Um dos marinheiros abriu a cela de Asmus e o empurrou para dentro. Shivani reprimiu um sorriso, o homem não fazia ideia do perigo que corria. Khrysaor se levantou, limpando a roupa com batidinhas, lançou um olhar sério para o oficial que o trancava. Ele parecia satisfeito, claro, esse havia sido um dia cheio de lutas sanguinárias, que divertido. Em seguida, mais e mais homens da tripulação foram colocados dentro das celas. Muitos haviam sobrevivido afinal, apenas para ir à forca.

Ela colocou o rosto entre as barras.

- Quantos ainda estão lá fora?

- Alguns. Mais do que eu esperava, o suficiente para fazer um barco navegar. - Khrysaor respondeu. - O Kraken estava mais interessado nos navios. Mas a maioria dos nossos está bem. Apenas ferimentos, eles vão sobreviver. - Shivani percebeu a forma que ele falava, como um soldado passando um relatório. Discurso exíguo como uma ampulheta.

Shivani se sentou, pensativa. Os outros inumanos deviam estar vivos, então. Lobo. Ayumi. Agnes.

- Vai nos contar, Lindo Pesadelo?

Ela balançou a cabeça e sorriu. Uma ideia miraculosa, perigosa e divertida se formando naquela cabeça maligna.

- Os planos espalhados não funcionam. - Ela sussurrou lancando-lhes o mais canalha dos sorrisos. - Só os secretos e que pedem improvisos dão certo.

🌙 🌙 🌙


Durante a noite, tudo se tornou silêncio. Todos dormiram e ela se colocou no canto de sua cela fétida depois de ter pensado sobre a fuga o dia inteiro. Era estranho, Shivani nunca havia sido capturada antes. Ela navegou com o Deus dos Nove Mares afinal. Estar próxima da forca nunca foi sequer um pensamento.

Perder o Arcanjo nunca foi um pensamento.

Mas se o Capitão a colocou nessa armadilha, estava disposto a perdê-lo. Ela também deveria estar. Shivani rodou um de seus anéis em volta do dedo. O anel do Arcanjo. Ela precisava enterra-lo no mar.

Shivani sentiu calafrios ao se lembrar da última vez que esteve em um navio oficial, onze anos atrás. As suas cicatrizes formigaram. Era uma lembrança cruel.

- Não consegue dormir? Quer que eu deixe a noite mais escura para você, meu amor? - Asmus sussurrou para ela através das barras. A voz enrolada como um gato preguiçoso.

Preto Cinza e Tempestade - FortunataOnde histórias criam vida. Descubra agora