Jantar de Hienas

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Os cabelos cortados pouco abaixo das orelhas estavam penteados para atrás. Ele tinha um rosto bonito e anguloso. Os sapatos estavam limpos e a voz era fria e temperada com desdém. Eles eram parecidos, Shivani notou. Mas ele não tinha os olhos cinzentos do pai, eram cor de caramelo.

Não era legítimo. Era por isso que tentava tanto ficar parecido com ele.

- Sim, eu sou tudo o que Rubens te disse que sou. - Ela confirmou. - Mas eu não acho que você é tudo o que ouvi falar de você.

- Mas ouviu falar. - Dante sorriu venenoso.

Shivani sentiu Asmus se movendo debaixo dela. Ele estava muito tentado a destruir aquele garoto. Ela ainda não sabia o que pensar. Ouvira a respeito de Dante, poucos anos atrás, como se o garoto tivesse ficado escondido para que mesmo os ouvidos de Shivani não o corrompessem. Mas ela sabia o que ele era, o que Axel o havia criado para ser. Dante não sabia a diferença entre um vagalume e uma estrela porque foi criado para viver na escuridão. Uma escuridão cega, completamente diferente da escuridão da pirata.

"Se quiser ser minha filha, há uma condição." O aperto no ombro ficou mais forte, quase doloroso, forçando-a a se sustentar sobre suas pernas cansadas. Lembrança dolorosa.

Seu pai não teria alguém que não fosse sangue sob o teto dos Albatrozes. Shivani quase sentiu pena do garoto, precisando lutar por seu lugar, para sobreviver.

- Como vai a vida de traidora, irmãzinha?

- Livre. - Ela pontuou seriamente. Mas depois abriu um leve sorriso. - É um prazer conhecer você, irmãozinho. Deve ser difícil conviver com o papai agora. - Ela divagou, Axel Adonis não seria melhor com o segundo filho do que com o primeiro. - Sempre sob à minha sombra, sempre precisando rastejar para a luz, sempre queimando as asas no sol para mostrar que pode voar mais alto do que eu.

- Você é muito prepotente para alguém marcada como menina má. - Ele provocou com os olhos na pele dela, o sorriso dele estava cheio de dentes. E o jogo de palavras, afiado. - Tem um discurso interessante para alguém que entrou pela porta da frente acorrentada. Você parece bem emocionada por estar aqui, sentiu saudades do poder do papai? Ou talvez seja apenas gratidão, ele não guarda rancor, que eu saiba.

- Eu guardo. - Ela respondeu.

- Todos os mortos guardam. Quando você morreu no Pombas, eu nasci. Não pense que porque você voltou, você reviveu para esta casa.

Shivani segurou no braço de Asmus tanto para acalmá-lo quanto para se controlar. A pena que sentia dele simplesmente desapareceu. Ela piscou, tentando não levantar e afogar o garoto na banheira. Segurar a cabeça dele debaixo d'água até ele parar de se debater. Mas ela não gostava de afogamentos, eles eram uma coisa desesperadora e silenciosa demais, assim como aquela mansão. Ela não estava nos melhores dias. Mas duvidava que ter o novo menino de ouro dos Albatrozes boiando num banheiro de hóspedes ia ajudá-la a se vingar.

- Papai odeia falar sobre suas maiores perdas, eu não o culpo por estar de luto. Mas ele me recebeu sorrindo hoje, não é adorável? Na verdade, me deu nojo assim como sua pequena demostração de poder. - Ela alfinetou, amargava sua língua até fingir falar de Axel com afeição. - Não que você conheça o sorriso dele, ou o que é poder, é claro.

Dante travou a mandíbula. O que ele devia ter? Quinze anos? Ela não sabia nada sobre ele, apenas alguns comentários. Ele não devia se sentir ameaçado pela presença dela ali, se havia algo que seu pai não queria, era Shivani de volta na família.

- Eu o vejo sorrir quando ele te menciona no jantar. - Dante lambeu os lábios, calculando a ferocidade das próprias palavras. - Sempre acontece quando o salmão está sangrando.

Preto Cinza e Tempestade - FortunataOnde histórias criam vida. Descubra agora