Mortais

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Quando chegou ao descampado, todas as tochas estavam apagadas e o banquete havia se tornado uma mesa de café da manhã.

Asmus sentiu a garganta fechar. Quis rir de como aquilo era absurdo. Quis chorar, mas seus olhos estavam secos e cansados. Mako ficou para trás mas eles estavam tomando café da manhã, leite e ovos e geléia. Ele se abaixou ao lado da primeira tenda antes que fosse visto e colocou a cabeça nos joelhos.

Não conseguia respirar.

- Eles eram seus filhos. Seus protegidos. Suas crianças! - Ouviu a voz do irmão ao longe. Aramis gritava. - Você ainda ousa chamar a si mesma de deusa do amor?

- Aí está o seu problema tão irritante de valorizar a vida mortal. Tudo que eu pedi foi sangue... Nada demais, algo que todos eles tem. - Drazhan analisou as próprias unhas. Asmus os observou, escondido. Aramis estava com as mãos amarradas para trás, sentado no chão como se tivesse sido jogado, devia ter feito do banquete uma bagunça. - Que filhos são vocês se não podem me dar as oferendas que peço?

- E apenas um corte então não seria o suficiente? Você mente quando diz o sangue, se vai tomar a vida.

Ela riu.

- Quem é você para decidir o que é ou não suficiente? Eu deveria te amaldiçoar para que você me implore pelo real significado dessa palavra? - Os olhos dela brilhavam vermelhos. Asmus sentiu o coração acelerar.

A deusa do tempo ao lado dela apenas sorriu. Asmus a viu várias vezes mas nunca trocou uma palavra com ela, o pêndulo constantemente balançando. Ela acompanhava a discussão entretida, assim como os outros deuses.

- Os mortais tem esse costume. Suas vidas são menores do que poeira no universo, mas eles ainda tem a coragem de se ver como o mais importante em todo o tempo e espaço. - Respondeu ela. Era a primeira vez que Asmus ouvia sua voz, ela não tirava os olhos do balançar. - Você nos olha sem abaixar a cabeça ou curvar sua frágil espinha, tem a audácia de questionar e levantar a voz.

- Como filho, não tenho o direito de querer entender? - Ele trincou os dentes. - Se sou tão pequeno e insignificante, porque ela me amaldiçoaria para sustentar seu ego vazio? - Rosnou. - Se eu não sei o meu lugar, então porque os que bem o conheciam e honravam estão mortos?

- Eles morreram por mim. Não foi nada além de uma oportunidade de mostrar o seu valor, algo que os mortais tanto amam. - Drazhan sibilou. - A morte dá sentido a suas vidas. Eles vem livremente a mim, porque me amam. Me escolhem.

- E a sua é tão sem sentido que você precisa fazer essa bondade aos mortais em cada caçada. - Ele cuspiu, irônico. - Você conhecia seus nomes, seus rostos, as vidas que levavam e seus pensamentos. Eles amavam vocês. E pensavam que vocês os amavam. Todos vocês! É o que o povo nas ruas acredita. Enquanto aqui dentro é isso o que fazem.

Akantha não tocou os braços de seu irmão. Aksel olhou na direção de Asmus. O garoto se escondeu mesmo sabendo que o homem não podia ver. Que assustador. Ele se encolheu e respirou fundo, voltando a assistir.

A deusa do tempo piscou, tirando os olhos de seu pêndulo e Drazhan apenas bufou.

- E por um segundo todas as crianças amam um pequeno inseto antes de se esquecerem dele ou o esmagarem. - Ela abanou a mão. - Mesmo para vocês, a vida pesa diferente na balança. Eu te pedi a vida do seu irmão - Ela estalou a língua como uma cobra. - E por isso ela custa mais do que todos os outros que se sacrificaram ontem.

Aramis não abriu a boca. Não ousou, nem para dizer a verdade nem para mentir.

- Vê, filho?

Asmus achou que ele não ia falar, a cabeça do irmão pendeu para o chão e Asmus sentiu uma palpitação. Aramis? Abaixando a cabeça rendido? Será que aquela noite e o pensamento da sua morte tinha quebrado seu irmão tão profundamente?

Preto Cinza e Tempestade - FortunataOnde histórias criam vida. Descubra agora