A Maldita Tempestade

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Shivani quis correr para ajudar. Quis amaldiçoar sua má sorte e por último acorrentar Asmus ao navio. Mas não fez nada disso, ela ficou paralisada, no reflexo de seus olhos o fogo aumentava e consumia parte da floresta, crescendo e crescendo.

Seu porto seguro.

Ela sabia a localização exata do casarão. Não podia estar errada. Então, lentamente, ela deu um passo para dentro da ilha. E outro. Totalmente hipnotizada ela começou a correr. Seus pulmões estavam em chamas inalando a fumaça, suas pernas fraquejavam, ela tropeçava na areia enquanto corria pela nuvem fumaça cada vez maior. A pirata ouviu um som atrás de si, mas não deu atenção. Shivani podia sentir seu coração bater em sua garganta enquanto seu desespero anulava seus sentidos.

Ela começou a hiperventilar, seus pulmões perderam todo o ar à medida que o pânico se instalava. Shivani sentiu a bile subir amarga e voltar ao fundo do estômago. Ela ainda corria, as lágrimas ameaçando cair.

Asmus a parou. Ela sentiu a queda, nenhum pouco brusca. Mal conseguia respirar. Sua ilha estava em chamas, seu único lar, sua única salvação contra aqueles que a odiavam. Ela não teria mais paz.

- Shivani. - Asmus a chacoalhou pelos ombros, o rosto dele próximo evitando que ela olhasse para a destruição. - Respire. Devagar.

Ela engasgou. Não conseguia. Estava tudo acabado.

Ao olhar para o lado, evitando o rosto consternado do monstro. Ela viu a vila pirata em chamas. Não fora apenas o casarão. Tudo. As casas, dos piratas mais divertidos e safados que ela conhecia, a oficina onde ela fizera seus próprios anéis e aprendeu a montar as partes de uma pistola, o pavilhão onde os piratas se reuniam para suas noites de contos e banquetes, o ferreiro onde ela fizera sua primeira espada ainda criança, a pequena biblioteca onde ela havia passado parte de suas manhãs conversando com a cartógrafa pirata do Capitão, a taverna em que ela só teve permissão para entrar aos quinze... estavam todos pegando fogo.

Era o fim de tudo que já havia lhe dado felicidade.

Ela sentiu seu rosto ser acomodado na curva de um ombro, enquanto os braços de seu prisioneiro a envolviam. As lágrimas rolaram sem parar. Ele a apertou tão forte quanto a dor em seu peito, aconchegou o corpo dela no seu e não deixou que ela visse o queimar.

Piratas passaram por eles correndo com baldes d'água, uma criança segurando a bainha da saia da mãe assistia a própria casa desmoronar, havia um corpo no chão, alguém havia sido esfaqueado. Os gritos por socorro eram altos.

Quase esbarraram nos ombros de Shivani enquanto eles estavam ajoelhados, Asmus os impediu, puxando-a para mais perto. Ele sentiu a respiração entrecortada dela no seu pescoço, as lágrimas e os arquejos. Os olhos dele arregalaram em frente ao Casarão, o único lugar em terra firme que aquela pirata pôde considerar um lar, desfazia-se em laranja, vermelho e fumaça cinza.

Ele provavelmente jamais imaginou que a veria se desmontar dessa maneira, mas a pirata não tinha forças para manter o orgulho. Asmus tomou coragem e acariciou os cabelos dela devagar. Tranquilizador. Shivani congelou, não entendeu o que ele estava fazendo.

- Como... - Ela começou com a voz rouca. Quis gritar até suas cordas vocais sangrarem mas estava em choque. Ela levantou a cabeça, se afastando daquele abraço confuso. Os olhos dela pararam naquela destruição laranja avermelhada. - Quem...?

- Os homens do Ditador. - O Capitão apareceu atrás deles. Seus olhos estavam sombrios quando ele observou a queda de seu próprio lar, tanto quanto Shivani. - Estavam aqui antes de chegarmos, eles esperaram todos entrarmos, e atacaram. Aulak ficou ferido, metade dos nossos homens tem queimaduras graves. 

Preto Cinza e Tempestade - FortunataOnde histórias criam vida. Descubra agora