Conflitos

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Asmus queria morrer.

O que era irônico porque algumas centenas de anos antes ele queria muito ficar vivo.

Mas agora ele queria morrer. Seu irmão estava vindo. Ele estava vivo e com certeza estava vindo.

Ele entrou na cabine do Capitão e se encolheu num canto. Ele mal podia respirar. Era assustador. Era terrível. Era paralizador.

Ele diminuiu entre a cama e a parede, como se fosse nada mais do que um dos milhares de papéis indistinguíveis. Seus dedos tremiam contra seus joelhos. Asmus não sentia esse pânico há anos, desde... Desde.

Era impossível não pensar no que poderia acontecer. Em quando Aramis o encontraria e o faria pagar por fugir, por desaparecer. E não importava o quanto ele corresse, seu irmão o encontraria e cortaria sua garganta e o deixaria sangrando como um porco por toda a eternidade enquanto o obrigava a ser o deus que deveria ser. Ele preferia morrer.

Não havia um único dia que ele não se arrependia de ter se tornado "Asmus".

Ele mal conseguia respirar, a dor no peito era como uma lança no seu coração, o empalando aos poucos. Os pensamentos não paravam de surgir sobre como ele seria trancafiado e mutilado. Asmus passou as mãos pelos cabelos freneticamente, sentia um aperto no estômago a ponto de vomitar.

Ele sentiu braços o envolverem.

- Ele não vai te machucar. - A voz doce de Shivani sussurrou em seus ouvidos. Asmus quis se livrar dela. Ele odiou o que ela fez na mesa, foi tão pessoal e tão mau. Mas ele podia culpá-la? Sequer era digno de confiança?

O monstro se forçou a falar, apesar do nó na garganta.

- Eu não quero pertencer à ele de novo.

Shivani acariciou os cabelos de Asmus. Ela o abraçou forte, um afeto estranho. Shivani cheirava a maré, madeira e obsessão.

- Você pertence à mim. - Ela disse solenemente. - Como o fragmento me pertence. Como este navio me pertence.

- Nenhum deles é seu. - Asmus franziu a testa.

- Não. Mas estão em minhas mãos, e tudo que está em minhas mãos eu protejo. Porque não vou deixar nada ser arrancado de mim de novo. - A respiração dela tocava sua orelha a cada palavra. - Isso inclui você.

- Lindo Pesadelo... - Ele conseguia ouvir as batidas do coração dela. Era tudo o que existia.

- Agora eu posso cumprir a minha promessa. - Shivani o lembrou. Ele estremeceu, se de antecipação ou medo não soube dizer. Ele queria mesmo que seu irmão estivesse morto? Ou queria que ele apenas não pudesse lhe fazer mal?

- Pergunta. - Ele começou. - Qual a primeira coisa que fará quando for imortal?

- Costurar cada pedaço da minha alma que foi rasgado. - Ele pôde sentir o gosto amargo do rancor na voz da pirata. - Eu  quero... - Ela deu uma risada leve como se fosse um sonho divertido. - Me tornar uma história de terror. Quero que meu nome seja sussurrado pelas ruas e que tremam de medo quando eu começar a minha caça.

- Vai matá-los? Você se lembra de todos? - Sussurrou.

- Do rosto e do nome. - Ela devolveu. - E de cada toque. Da forma que eles caminhavam para dentro do quarto. Das roupas. Das vozes. Tudo. Me lembro de Axel. Dos seus homens me mantendo fora dos portões. Das suas mãos enquanto...

Ela parou. Engasgada. Asmus soube o que ela queria dizer, mas precisava confirmar.

- Pergunta: As cicatrizes foram ele? - Ele tocou as costas dela, sentiu as formas. Shivani se remexeu.

Preto Cinza e Tempestade - FortunataOnde histórias criam vida. Descubra agora