O Furacão

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O dia de Shivani começou com os gritos da tripulação e água salgada entrando por sua janela.

Tudo que ela queria fazer era destruir aquele convés com as próprias unhas mas a ressaca do dia anterior mal a deixava ficar de pé. Ela levantou com o balanço das ondas e derrubou toda a garrafa de vinho no chão, o vidro fez um som alto que ecoou em seu cérebro.

Ela saiu da sua cabine gritando para seus companheiros descerem as velas antes que a tempestade virasse o navio. Sua voz era um murmúrio no vento, mas ela escutou os gritos de confirmação.

O Capitão estava no leme, inabalável. Seu olhar estava no horizonte com um leve sorriso, como se soubesse exatamente que tipo de deus desgraçado havia os mandado para o olho de um furacão.

Shivani segurou as cordas na extremidade do navio como um qualquer e usou toda a força que tinha para ajudá-los a se manter firmes. Ela quis amaldiçoar o dia em que subiu em um convés pela primeira vez mas se conteve, esse navio seria seu um dia e era melhor tratá-lo com carinho. Em vez disso, amaldiçoou todos os idiotas que leram o mapa com os olhos nos traseiros e os conduziram para esse fim de mundo.

Se um monstro marinho aparecesse agora eles seriam engolidos sem nem lutar, Shivani tinha certeza que poderia rasgar o estômago de uma fera de dentro para fora apenas com a raiva que sentia naquele momento. Sua cabeça latejava contra os raios que atingiam cada vez mais perto, o gosto de vinho ainda entorpecia seus sentidos.

Ela tateou pequeno pergaminho dentro de seus seios para se certificar que ainda estava lá. Deu um suspito quando percebeu que sim e continuou a puxar as cordas. Aquela era sua chave para tudo que sempre quis e sempre sonhou e se a perdesse num dia como esse, jamais se perdoaria.

Shivani arrebitou seu nariz adunco para os céus, desafiando qualquer um que quisesse tirar aquilo dela porque esse não seria o último dia de sua vida.

🌙🌙🌙

Quando o navio finalmente saiu do furacão, Shivani pôde respirar. Segundo seus cálculos, atracaram perto o suficiente de uma cidade portuária.

Ela entrou na cabine xingando os marinheiros e quem quer que tivesse derramado todo o seu vinho. Ouviu o Capitão rir do lado de fora e segurou a língua. Ele havia os mandado naquela direção porque estava procurando por algo, ele não contou a ninguém o que era mas se sabia que havia uma provação como essa pela frente, então era algo valioso e importante.

Era raro que o Capitão não contasse seus planos para Shivani, mas considerando que ela não sabia nem mesmo o nome dele, ela não poderia reclamar. Era um acordo mútuo, Shivani jamais voltaria para seu pai enquanto o Capitão a deixasse em alto mar, ela saquearia toda e qualquer cidade que ele apontasse. Não precisavam de mais nada além disso, nenhum segredinho compartilhado, ela era a Sereia do Navio Arcanjo e ele o Deus dos Nove Mares.

Não era à toa que a figura de proa do Navio Arcanjo era o deus da fortuna nu, com ouro e prata nos braços abertos.

O Capitão era um homem velho o bastante para ter dominado os nove mares, mas jovem o bastante para não ter uma única ruga. Sua pele escura estava dourada pelos dias sob o sol escaldante e seus olhos pretos eram brilhantes como amentistas. Suas tranças desciam até a cintura, e sua maquiagem era feita perfeitamente todos os dias. Ele preferia rum, odiava vinho. Não se importava o suficiente com o Ditador de Mangata para querer derrubá-lo, mas odiava como usavam todo o lixo metálico para fazer as armas do governo. Ele já havia comido carne de monstro mas não deixava que nenhum marinheiro tocasse em uma. Ele tinha um pacto com os piratas do oriente por ter dormido com o chefe deles. Shivani sabia tudo sobre ele e ao mesmo tempo não sabia nada.

Preto Cinza e Tempestade - FortunataOnde histórias criam vida. Descubra agora