Entendendo os Personagens

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Capítulo extra para quem quiser saber o que está por trás do comportamento e da construção de cada personagem principal apresentado até agora.

Como eu simplesmente amo psicologia e psiquiatria, tentei construir um psicológico transtornado alinhado com a história da personagem.

Shivani
o manipulado se torna o manipulador.

MBTI dela é ENTP-A, uma personalidade inovadora e criativa, mas também muito intuitiva e insensível.

O comportamento obsessivo compulsivo que a personagem se encontra (no livro vindo de uma maldição) é uma inspiração romantizada dos síntomas de TOC grave e do comportamento de pessoas com transtorno bipolar e sociopatia.

Sintomas no humor de pessoas com obsessão podem variar de ansiedade, violência consigo mesmo e outros, apreensão, ataque de Pânico, culpa, hipervigilância, impulsividade, obsessões sexuais, movimentos ou comportamentos repetitivos. Obsessões com imagens intrusivas e persistentes.

Os sintomas de sociopatia que inspiraram os comportamentos da personagem são: comportamento manipulador, comportamentos de risco, desonestidade, hostilidade, irresponsabilidade, agressão, irritabilidade ou falta de moderação, descontentamento geral, raiva, tédio, abuso de substâncias, dependência física de substâncias.

Assim começamos nossa análise, esse comportamento se dá pela contingencia do ambiente em que ela cresceu e do ambiente em que ela vive.

Shivani cresceu num ambiente afetivamente inibido, em que sucesso era a moeda de troca para atenção. Sem contato exterior com crianças da mesma idade nem com pais emocionalmente presentes. Ela se apoiou na disciplina que era a presença paterna por seus primeiros dez anos de infância, já com noções deturpadas de relacionamentos e moralidade, aprendendo princípios de violência e manipulação. Há um neurodesenvolvimento já pressuposto a fazer-la se tornar alguém com essas características.

Ela já cresceu em um ambiente tóxico, mesmo que colocasse o pai em um pedestal até certa idade. Até os dez anos Shivani não estava consciente da própria hipervigilância perto dele, de como ela confundia desconforto com necessidade de aprovação.

E é aqui que entra o ponto principal, que é quando ela quebra esse primeiro comportamento. Começa com o encontro com a mãe, a quebra das expectativas e a experiência traumática no local que deveria ser "especial". Shivani.

Existem três reações ao trauma: se render, fugir ou contra-atacar.

Shivani passa por todas as três em diferentes momentos. Primeiro ela se rende. Cedendo e recebendo à agressão e ao abandono da mãe, buscando ainda uma reação esperada de afeto, matando o homem que a importunava.

A partir daqui ela fica mais desequilibrada, pensando sobre suas atitudes e sobre o que vem acontecendo e como ela aceitava e via os comportamentos dos pais. Então quando é submetida a outro trauma, muito parecido com o primeiro, que envolvia machucar e matar pessoas, ela reage de uma forma diferente: fugir. Ela tenta evitar a situação de ferir outra pessoa de novo.

É aqui que temos uma das maiores mudanças psicológicas em Shivani, pois esse trauma vem das pessoa de sua maior confiança. Uma palavra fica marcada nela: covarde. E ela se torna extremamente importante para o desenvolver da personagem a partir desse ponto.

A última reação ao trauma acontece logo quando Shivani é mandada para o bordel, a reação de contra-atacar. Esse ambiente extremamente traumático é que a força a usar todas as ferramentas que conhece para sobreviver e que deixa nela uma marca de impotência. Ela decide ser pior, ser mais cruel, ferir antes de ser ferida.

Não apenas os planos de vingança mas a  reação constante de ameaças que seja ameaçada e atacar antes que seja atacada. Isso é algo que fica bem nítido nas relações dela depois que sai do bordel, é o fim da confiança.

Depois da saída do bordel é onde os traços sociopatas começam a se manisfestar. Os planos de vingança mesmo que contra o próprio sangue, a total falta de empatia, o contra ataque, e todas as outras características sociopatas.  Uma cena em que é possível ver os primeiros sinais é na cenas das freiras e de como ela cria uma moralidade própria, como ela rejeita todo o remorso e empatia e admite uma posição de autoproteção, na primeira cena ela pode estar se protegendo, mas assim que vemos como ela deixa a fábrica com as meninas queimarem, que aquilo ali já evoluiu para egoísmo e raiva que pode ser descontado mesmo em pessoas inocentes. E assim, tudo intensificado pelo estresse advindo do trauma e a possibilidade de uma vida totalmente voltada para seu eu maquiavélico: a vida pirata.

Mas isso obviamente não é o final de uma vida feliz, má e pirata. As consequências de tudo vem e vem atropelando. É por pouquíssimo tempo que Shivani consegue ter uma adolescência "normal", pois está em um modo constante de vigiar, ela tenta provar pro resto do mundo que é digna de ser uma pirata, pois isso é o que ela aprendeu desde a infância: a compensar. Shivani tem uma voz do pai dentro dela que diz que ela precisa melhorar, que ela precisa provar que não é frágil. Ela não consegue demonstrar vulnerabilidade e isso só vem mudar muitos anos depois com um breve reconhecimento de si mesma em Asmus. Mas fora isso, não se permitir sentir a isola, pois ela se torna muito volutil a crises de raiva e explosões. Ela não confia nem no homem que a acolheu, como vemos nos primeiros capítulos, o plano matar o Capitão em algum momento.

É uma característica da sociopatia a dependência de substâncias. Percebemos isso nela que usa a magia para suprir isso, a vulnerabilidade, o medo do abandono, os impulsos agressivos. A magia no livro é colocada como uma droga, já que ela mexe com o sistema de recompensa do cérebro da protagonista, revivendo seus traumas e ao mesmo tempo fazendo ela se sentir no controle da situação e colocando sua criança interior num lugar de proteção. Assim ajuda que ela se liberte por pouco tempo da pressão que ela coloca em si mesma e deixando que uma outra coisa, uma força mística seja forte no lugar dela.

Também tem a questão da obsessão. De onde ela vem? Abaixa esse mecanismo de defesa que ela tem: precisar ser a incrível e cruel pirata o tempo todo como ela prometeu a si mesma. A obsessão pela Espada e pela magia se complementam. Uma trazendo poder e prazer momentâneo e a outra com a promessa do mesmo só que eternamente. É muito tentador que ela tenha um corpo imortal e uma habilidade de sorte para ter o final de sua vingança e que suas necessidades egocêntricas e narcisistas, além de ser uma esperança para que nada mais possa a machucar, como se isso fosse torná-la a parte do mundo e lhe desse a sensação de controle e poder que ela precisa.

E para isso ela não vai poupar esforços em matar, roubar e manipular. Já que no livro ela se vê sob uma maldição que deixa todos esses aspectos mais fortes.

Os comportamentos dela apresentados no capítulo em que ela rouba o Arcanjo são exemplos disso. Shivani se encaixa dentro da tríade obscura da psicologia: narcisismo, psicopatia e maquiavelismo, que é a capacidade de manipular as pessoas, fazer planos e executar ideias terríveis.
A manipulação envolve algumas etapas que colocam Asmus contra a parede.

Depois de extravasar a raiva de seus desejos serem negados ela o coloca numa situação de culpa. Primeiro a agressão, depois ela o diminui, o coloca como hipócrita e o faz acreditar que ele lhe deve algo. Depois ela apela para a sensibilidade, a amizade que se formara entre eles que pode ser consertada com ele cedendo, fazendo parecer mais fácil do que realmente é. Ela tenta colocar a empatia nas suas palavras, o tranquilizando e mostrando que entende sua reação mesmo que seja contraditório com a agressão anterior. Depois ela pede calmamente, para que ele sinta que está no controle da situação. Por fim, ela implora, forçando uma reação através da pena e do companheirismo.

A relação entre os dois vai ser mais explorada nos próximos extras de Entendendo os Personagens.

Espero que tenham gostado dessa análise bem rápida e simples da construção psicológica de Shivani. Foi bem legal e interessante de fazer, levou dias e pesquisa.

Lembrem-se que tudo é romantizado e os comportamentos dos personagens não devem ser usados de exemplo ou repetidos. Lembrem-se de não se autodiagnosticarem e se se identificaram com algo devem ir consultar um profissional especializado.

Beijosss

Preto Cinza e Tempestade - FortunataOnde histórias criam vida. Descubra agora