Refeição

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Nada. As paredes estavam limpas e vermelhas como se recém pintadas. Quase todas, na verdade. Apenas a parede atrás da mesa de negócios tinha.

Um quadro de uma longa escadaria. Uma pintura realista.

- Você tem tido sonhos estranhos, pequeno Albatroz? - Perguntou Khrysaor a Dante enquanto apalpava as paredes.

- Alguns. - Respondeu o jovem, desconfortável. - Desde que minha irmã partiu.

- Não apenas você, como os piratas e os criados. E eu também. - Precisava estar ali em algum lugar. Algum tipo de dimensão mental, física, como a floresta vermelha na qual encontraram a fada. - E imagino que seu pai também. Não o vejo desde que Shivani partiu.

- Meu pai decidiu ir a uma viagem de negócios para o distrito industrial. - Dante respondeu, pensativo.

- Sim, que conveniente.

Aquilo o deixou desconfortável. Era seu pai tão covarde que não conseguia ficar na casa tendo sonhos ruins? Ou eram os sonhos que o assombravam mais do que a todos os outros?

- Entendi. - Suspirou o deus para si mesmo. A passagem não era uma parede vazia, e sim a pintura certa. É claro que ela estava viajando pela casa passeando pelas mentes das pessoas, as portas que ela podia abrir estavam em todos os lugares. - Obrigado, pequeno Albatroz. Monte guarda aí na porta e não deixe ninguém entrar.

- O que? O que quer dizer? - A voz esganiçada denunciava o adolescente.

Khrysaor estirou a mão para dentro da pintura. A atmosfera fria o inundou e ele suspirou, ar quente saindo de sua boca.

- Ei! - Dante chamava atrás dele. - Que porra é essa?!

Khrysaor não deu ouvidos ao garoto, dando um passo para dentro da pintura.

Era gelado e escuro. E era mais silencioso do que o lado de fora, se isso fosse possível.

Era como uma casa dentro da casa, mas tudo era lento como uma pincelada. Mesmo os passos dele pareciam vagarosos.

Ele ouviu vozes, vindas de uma porta a esquerda. Virou a cabeça lentamente e colocou a mão na maçaneta redonda. Quando abriu, viu dois garotos de cabelos escuros e pele amarronzada sentados numa escadaria aos pés de um homem.

Eles conversavam e não pareciam capazes de vê-lo. Aquela era uma casa de memórias, Khrysaor percebeu, olhando para o garoto menor. Um sorriso de dentes abertos e uma cicatriz circular sob o olho. Era inconfundível.

Khrysaor conhecia a história de Asmus. Ele estava vivo quando Atlantis afundou. Não era necessário descobrir coisa alguma, a não ser o nome real do deus. Ele sorriu consigo mesmo, pensando na ironia que era ser ele a estar ali e não Shivani.

Ele ia quase fechando a porta, quando ouviu.

- É claro que é bem mais fácil aprisionar um deus do que matá-lo. - Sorria o homem. - Basta conhecer o seu local de nascimento. Onde de fato se tornou o que é. E prendê-lo, de forma que não saiba que está preso.

Khrysaor pensou em Affra. Na máscara que usava, na sua loucura e como estava fadada a jamais deixar a caverna. Uma criatura selvagem guardando um tesouro pela eternidade. Mas ela não havia sido sempre assim. Mesmo que ele não gostasse das lendas sobre ela, tinha que reconhecer que aquilo era contra sua natureza. Algo. Alguém, havia feito aquilo.

Alguém poderoso.

E ela não era a única deusa da justiça que havia desaparecido.

- Eu gostaria de fazer isso com todos eles. - Cuspiu o garoto ao lado de Asmus. Seu irmão, Khrysaor lembrou.

Preto Cinza e Tempestade - FortunataOnde histórias criam vida. Descubra agora