Uma Fenda no Tempo?

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Feliz ano novo gente ♥️

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Khrysaor

Ele estava tomando chá sentado num quarto de hóspedes quando sentiu os pêlos do braço se arrepiarem. Ele piscou, como se uma cortina caísse sobre seus olhos.

Estranho.

Khrysaor estava esperando. Ele passaria os próximos dias assim, esperando Shivani retornar, morta ou arrependida. Ele não queria que ela morresse. Ia ser terrível. Ele precisava dela e daquela relação estranha dela com o garoto das mentiras. Ele conseguia farejar o que traria o próximo conflito e aqueles dois eram fumaça e fogo.

Ele estava cansado. Milênios esperando algo novo, milênios observando, caminhando, acendendo pavios e esperando explosões.

Ele estava cansado.

Ele tomou todo o chá. No fundo da xícara havia uma mensagem: Lembre-se.

Ele piscou ao ver a xícara se desfazendo nas suas mãos, seus cacos flutuando no ar. De repente eles estavam no chão de pedra. Mas a casa de Axel Adonis tinha um chão de metal.

- Ah, Bellum. - A voz doce e aguda seguida de uma risada leve lhe causou uma dor tão profunda no peito que ele mordeu o lábio. - Você vai acordar o bebê.

Ele a viu se ajoelhar, catando os cacos. Os cachos longos estavam presos para cima, ela olhou com carinho para ele, aqueles olhos amendoados brilhantes.

- Amor. - Ele arquejou.

- Por que está me olhando como se fosse a primeira vez que me vê? - Ela colocou as mãos na cintura.

- Eu só... Sinto sua falta. - Ele fez uma careta de dor.

Ela riu levemente, como se fosse uma tolice sentir falta de quem você vê todas as manhãs ao acordar. Ela continuou catando os cacos, até se cortar.

Ele se ajoelhou ao lado dela, murmurando para tomar cuidado. Ele segurou o dedo cortado, vendo qual fundo foi o corte. Uma gota pingou no chão.

- Não foi nada demais. Não sangrou muito. - Ele levantou a cabeça para o rosto sangrento dela. A face que ela tinha da última vez que ele a viu. Os memórias o invadiram, corpo ensanguentado e jogado ao lado da porta, o sangue que cobria o chão, as pernas dela, a barriga, o rosto.

Ele se lembrou de ver vermelho, o ódio o dominando. Quando ele amaldiçoou os soldados que a mataram e quando ele pegou a espada.

- É isso que o seu pai disse quando matou a sua mãe? - Ela perguntou numa voz mórbida.

- O que...?

Khrysaor se arrastou para longe. Ela o seguiu engatinhando. A ilusão o seguiu engatinhando.

- É por isso que você lutou do lado contrário? É por isso que quando conseguiu a imortalidade você se tornou um traidor? É por isso que lutou ao lado daqueles que me mataram?

- Você não é real. - Ele murmurou com os lábios trêmulos. - Eu não sou um traidor, sou um guerreiro. E eles não mataram você. Fui eu.

Ele se lembrava bem. O rosto vitorioso do idoso mesmo quando Khrysaor descobriu que o pai ordenara o assassinato dela. A dor da traição e de ver que o pai conseguiu o que queria: o melhor soldado de volta, a vontade de lutar brilhando nos olhos do filho.

- É o que disse ao General quando cortou a cabeça dele? - Ela cuspiu sangue. - Você nem sabia mais quem você era.

- Eu sabia sim! - Ele gritou. - A maldição ela não podia me fazer esquecer! Ela me fortalecia! Foi por isso que eu me tornei um traidor, sim! Ele mereceu.

Preto Cinza e Tempestade - FortunataOnde histórias criam vida. Descubra agora