A Futura Governadora

44 8 0
                                    

Agnes

Havia um tipo de solenidade da parte dos marujos quando olhavam para ela. Quando a maquinaria que eles eram parava por alguns segundos para vê-la passar. Agnes Adonis.

Não Agnes Despina. Esse nome não existia.

Agnes recebeu roupas novas. Roupas femininas de uma cor rosa pastel, finas da última estação, com um relógio de bolso pendurado como as continentais adoravam usar. Recebeu uma cabine própria, comida quente, chá e tudo que o navio podia lhe oferecer. Havia penteado os cabelos loiros e agora eles não pareciam uma bucha de pelo de ovelha. Ela estava cheirando bem melhor e até mesmo tinha um espartilho, saltos e maquiagem.

Aquilo a deixava ansiosa.

Desde que chegou no navio, ela deixou de ser A Pobre Agnes, A Pequena Agnes, A Boneca, para ser Agnes Adonis. A futura esposa do governador resgatada das mãos dos terríveis piratas, aquela que sobreviveu sem nenhum arranhão e ainda manteve a postura. Os homens sussurravam a respeito dela. Era realmente filha de seu pai ao atravessar os mares com piratas. Nas noites, ela já podia ouvir os marujos mais musicais tecendo canções sobre o seu romance.

Aquilo era tão absolutamente ridículo que ela mal podia acreditar. Vestidos, canções? Ela só se lembrava de usar uma vez quando foi apresentada ao governador, e mesmo música era algo muito além de sua vida nas fábricas. Ela se tornou nada mais que um presente muito bem embrulhado e falso como um cavalo de Tróia.

Afinal, Agnes podia ser inocente para muitas coisas desse mundo infinito, mas não para ignorar o quanto Axel Adonis desejava a cadeira de Governador.

Agnes se apoiou na balaustrada, lambeu os lábios e sentiu gosto de sal e cobre. O céu estava cinzento. Ela não queria pensar em como seria quando chegassem à terra firme.

Se teria que se colocar de pé numa plataforma enquanto via Shivani, Khrysaor, Asmus, Lobo e todos os outros serem enforcados. Se ela ia encarar ou desviar o rosto. Ou se ela iria com eles.

Agnes sentiu como se os tivesse vendido. Cada sorriso, cada ajuda, cada noite após o jantar ou música tocada naquele convés. Mesmo que alguns deles nunca se importassem com ela. Pouco pior do que como se sentiu depois do desastre dA Ilha. Como ela poderia entregá-los sem oportunidade de luta? Entregaria Shivani que era a dona daquele sobrenome e tomaria seu lugar fingindo que ela jamais existiu?

Shivani... Ela havia lhe entregado muito mais do que a vida, quando Agnes deveria morrer pelo incêndio. Shivani lhe entregou a liberdade. Mesmo que por pouco tempo, mesmo que maculada e suja pela dor de de tornar sereia.

Mas agora... o que ela faria quando chegasse a Mangata? Entraria em um vestido de noiva, fingiria não estar enjoada a noite toda ao se entrelaçar com um desconhecido, cortando o fio de liberdade que conquistou? Prenderia a respiração para não rasgar a carne do marido e devora-lo na noite de núpcias?

O que ela faria se conseguisse?

Ela subornaria alguém para fazer um acordo com algum ser mágico e ficar na forma humana para sempre? Ela não era Shivani. E a estranha fada, ghoul, criatura da floresta que a acompanhava, agora era como um buraco em seu peito. Ayumi simplemente a deixou naquele meio estado de pleno perigo para sempre.

Uma mão com garras se colocou em seu ombro e a garota congelou.

Sentiu cheiro de almas partidas e incenso. De doce e sangue. O sorriso de Eris rastejou até a mente dela. A sereia se colocou ao seu lado, olhando para o céu e o mar abaixo. A sereia que a transformou. O monstro que tomou sua alma. A criatura que lhe deu garras, escamas e tudo que ela odiava.

Agnes olhou no vale penetrante dos olhos dela. Uma palavra. Apenas uma palavra e tudo aquilo ia água baixo. Sua farsa, sua mentira, seu bobo e lindo disfarce. Uma palavra e o General saberia que ela não era apenas uma dama sequestrada.

Preto Cinza e Tempestade - FortunataOnde histórias criam vida. Descubra agora