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Não sei se postei essa musica de mídia mas amo ela e ta aí

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Pela manhã, Asmus sentiu as bochechas corarem. Ele sentiu nojo disso.

Ele não era tolo, mas Shivani era... Ela dormia calmamente, o rosto pacífico, o corpo curvado, uma perna perigosamente perto, a bochecha amassada contra o travesseiro de uma maneira adorável. Debaixo do tecido, uma das cicatrizes dela se arrastava para fora. Asmus não conseguiu deduzir sua forma, e desviou o olhar respeitosamente.

Havia algo errado acontecendo com ele. Como ele fora capaz de dizer todas aquelas coisas na noite anterior e dormir ao lado dela, quando ele planejava matá-la? Ela era um pesadelo, o odiava ou o queria, ou ambos. Isso estava mexendo com a sua cabeça.

Lhe doera contar tudo aquilo. Mas ao mesmo tempo fora um alívio. Como limpar um ferimento. Ardia, mas era delicioso. Asmus sentiu a mesma fome de Shivani quando ela olhou para as cicatrizes dele com os olhos em fogo. Era por isso que eles compartilhavam aqueles momentos de respostas e perguntas. Segredos que vão para o túmulo decompõem-se com seus donos.

Tudo o que ele dissera era verdade. Quando eles estavam próximos ele percebeu a sua necessidade de toque. Os ferimentos que ele conhecia da pirata também eram interiores, profundos. E de alguma forma a tornaram quem ela era. Mas ainda era cruel, pensar no que ela passara para ser assim. No que os dois passaram.

Ele pensou na infância dela, no pouco que sabia, com dez anos dentro de um bordel vendida pelo próprio pai. Da mesma forma que ele havia sido torturado por seu irmão, era algo que não podia ser apagado. Inocência irrecuperável.

E então eles mataram pessoas. Quantas? Desde quando? Em legítima defesa? O quanto disso era humanidade e o quanto era monstruosidade?

Se Shivani levaria seu irmão para o inferno, Asmus estava certo de que também se tornaria um demônio para vingá-la. Isso não era a humanidade em seu estado mais cru?

Ele deu uma risada meio chocada. Que pensamento terrível.

Ele não acreditava na existência de um mal absoluto. Mas de construções do bem e mal dentro das pessoas. E se isso era humanidade, o que esses pensamentos faziam?

Há uma coisa a respeito dos deuses: neste mundo, são sujeitos a todos os sentimentos humanos, porque nasceram como eles. Apenas foram na direção contrária.

Asmus ainda não tinha certeza se queria continuar nessa direção. A verdade era que a dor, o terror e a lembrança se agarrava à ele como um bote salva vidas. Se ele não as tivesse, talvez se perdesse. Seria como Khrysaor, vivendo para o propósito de seu divino? Maldito Kraken, isso parecia uma porcaria.

Há uma coisa a respeito dos humanos: eles estão sempre vendo a morte. Eles a ignoram, a dos outros, a própria, mas ela está ali. Essa é a linha, a que marca a direção contrária. Enquanto Asmus tivesse suas pequenas mortes, ele ainda teria parte de sua humanidade.

Shivani fez um barulhinho, atraindo a atenção dele. Ela ainda dormia. Os cílios dela se curvavam perfeitamente, tremendo num sonho. Ela conseguia estar mais longe da direção do que qualquer outro humano. Como se fosse intocável. Era isso? O que o fazia correr até ela no meio do caos?

Era isso o que o fazia querer matá-la ali mesmo. Shivani não estava colocando a corda no pescoço dele, ela estava lhe entregando e nem dizia para que ele se enforcasse, mas ele o fazia mesmo assim.

A magia a faria pior, caso ela se tornasse uma deusa. Ela seria impossível e imparável, como uma paralisia num pesadelo. Era isso que Asmus dissera a Khrysaor que evitaria.

Preto Cinza e Tempestade - FortunataOnde histórias criam vida. Descubra agora