A Floresta dos Ecos

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As costas da criada bateram contra a parede.

- Me conte. Agora. - Os dentes da pirata estavam a centímetros do rosto dela. Shivani a seguira o mais rápido que pôde e a encurralou num dos armários de limpeza.

- Minha irmã vai nos escutar. Se acalme por favor.

- Me diga onde encontro a cura. - Shivani rosnou.

- É perigoso demais.

- Sou uma pirata. A Sereia do Navio Arcanjo. Não temo. - Ela anunciou. - Diga agora. Existe uma cura para a transformação das sereias?

- Existe. - A serva tremia, os olhos fixos na madeira talhada das paredes. - Uma cura para isso e para todos os desejos do mundo. A alimente e você o terá.

Shivani sentiu uma linha e tensão no ar.

- Alimentar quem?

- A Floresta dos Ecos. - Murmurou contra sua vontade, como se lhe causasse dor física. - Ela vai devorar suas memórias até que você não lembre do que ia pedir.

- Mas eu posso fazer um pedido.

- Não. Não. Não pode! - A criada gritou, o choro correndo a face. - Os Ecos, eles são ghouls. E-eles... Eles!

- Os monstros asiáticos que comem crianças e roubam moedas? Ou a fada devoradora e sedutora? - Shivani riu. - Havia enfrentado coisas piores. Havia enfrentado a Agnes que devia salvar, presa naquele Navio agora.

- Sua ambição a matará. - A serva cuspiu. - Correrá sangue pelo chão como uma cachoeira.

Ela torceu os cantos da boca. As palavras a atingiram. Shivani sabia que estava relembrando o sangue e a pele dos homens, semanas antes no café.

Talvez ela estivesse ficando maluca. Havia um pulsar ao lado de suas orelhas desde que conseguiu o último fragmento.

- Minha ambição me tornará uma deusa. - Ela sussurrou ao se abaixar. - E a sua tolice vai lhe custar a língua.

🌙 🌙 🌙


Khrysaor apenas sabia.

Ele estava esperando. Shivani não duraria muito. Não como humana.

Então quando ela apareceu com o olhar astuto e Asmus se colocou de pé como o bom cão que era, Khrysaor sabia que a maldição dela já estava se cumprindo. E que o monstro não seria capaz de matá-la. Não como prometeu.

Ele permaneceu pensativo todo o caminho até a Floresta. Mal ouvia a dupla conversando, ou o rugir da sereia na corrente. Era estranho que a pirata resolvesse salvar a sereia agora.

Mas talvez fosse parte da maldição. Confusão. Raiva. Desejos sem sentido. O último resquício de humanidade.

Mas enquanto ela não tivesse o nome verdadeiro do deus da Fortuna, seu instinto humano continuaria agitado. E iria de mal a pior. Asmus não podia continuar aos serviços de uma pirata louca.

Khrysaor havia passado muito tempo na Ásia nos últimos séculos, mas esse era uma decadência sem fim de paz. Ele conhecia a Floresta dos Ecos, mas sabia que os anos haviam lhe tirado tudo que os ghouls poderiam querer.

Então quando avistou os galhos retorcidos da floresta de cerejeiras, ele não estremeceu com os gritos e vozes. Apenas se perguntou se havia algum resquício humano em si mesmo e continuou andando.

Isso foi antes dele ver seu filho.

🌙 🌙 🌙

Asmus segurava a coleira de Agnes com força. Ela rosnava, mas permanecía calma pela presença de sua alma nas mãos de Shivani. Um pouco mais de força e a arma se partiria. A sereia grunhia, faminta, babando. Sentia que se aproximavam de alguma coisa sombria dentro daquela floresta cor de rosa.

Preto Cinza e Tempestade - FortunataOnde histórias criam vida. Descubra agora