Demonstração

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Shivani trincou os dentes quando o ditador se levantou. Ela puxou o colar levemente, que lhe tirava o ar.

Ela se perguntou se a dose foi muito pequena, mas logo concluiu que não. Ele mal sentiu. Reinier espanou as ombreiras com os dedos e tomou o cetro e a mão delicada de Agnes.

Os soldados às portas bateram continência assim como os guardas. Os convidados se levantaram quando ele chegou ao meio do salão. Alguém ergueu a bandeira de Mangata e todos prestaram honra ao brasão, uma folha de ouro com três moedas ao lado, tocando no pescoço e se curvando. Shivani quase tinha se esquecido de como fazer isso.

Shivani o observou, o analisou, enquanto ele discursava. As suas costas eram rígidas como as de Khrysaor, sua voz era um trovão apesar do rosto bonito, tudo nele era mordaz e amargo, como o brilho de um tesouro proíbido. Era claro que a beleza e o brilho do sorriso de uma rainha faria o povo vê-lo menos como um general e mais como um diplomata. Principalmente agora que os piratas tinham conseguido fazer a palavra "Ditador" parte do vocabulário comum.

- ...E muitos diriam finalmente chegamos a uma Era sem guerras. Um Estado unificado sem fronteiras ou bandeiras. Finalmente alcançamos a paz e vocês celebraram isso comigo. - Ele continuava seu discurso. - E agora eu celebro com vocês, a alegria e fortuna me concedidas. - Ele tomou a mão de Agnes, depositando um beijo nos nós dos dedos enluvados. - Raquel, minha querida, você me concederia a honra de casar comigo?

Shivani esperou um momento doloroso assim como os outros convidados, esperando a resposta da garota. A garganta de Agnes subiu e desceu, engolindo em seco.

- Mas é claro. - Ela sorriu. O Ditador a trouxe para junto do corpo. Os dois sorrindo com as palmas dos convidados. Shivani batia palmas com uma diversão quase genuína.

Ele ergueu o cetro.

- Devemos primeiro agradecer antes de nos enchermos de bebida e música! - Ele bradou, erguendo os braços. - Nossa cerimônia deve ser dedicada a deus.

As luzes se apagaram. Tudo ficou escuro no salão. Shivani não se apavorou, assim como todos no recinto. O cetro brilhava levemente com uma luz esverdeada iluminando o rosto do Pontífice e nada além dele. O rosto duro e impassível, como o de uma rocha que não se curva à maré. Alguém colocou um véu sobre o rosto dele, dourado e leve, com fios de ouro.

A pirata se moveu desconfortável. Ela nunca esteve em uma cerimônia religiosa para deus algum, seu pai não era religioso, tampouco visitou algum templo com o Capitão a não ser a pequena capela em que se conheceram.

Ela ouviu o tilintar de moedas, alto como um bombo, como se todos os convidados balançassem suas bolsas de moedas no mesmo ritmo.

Em algum lugar, alguém começou a recitar uma balada. A nuca da pirata se arrepiou, as vozes lembrando os cânticos das freiras. Ela sentiu olhos cegos na escuridão, a avaliando. Shivani sentia que se não estivesse sentada já teria caído de joelhos. Quando criança ela achava que as cerimônias e religiões fossem insípidas, agora já não tinha tanta certeza. Ela passou as mãos pelo colar vermelho e apertado.

Ela não conseguia desviar os olhos do ditador. Agora, sob a capa e o cetro do Pontífice, era como se ele fosse outra pessoa. Como se realmente encarnasse seu deus. Havia algo como um sorriso em seus olhos azulados, aquele brilho da vanglória, o sorriso leve e taciturno de um homem que tem tudo o que quer. Ela sentiu o vazio no estômago se alargar. Algo feral, se esticando dentro de si.

Tochas se acenderam ao redor do salão, iluminando mas mantendo o ar mítico. Shivani segurou as bordas da cadeira lentamente quando viu as freiras que as seguravam. A frente do Pontífice e sua noiva estava ajoelhada uma mulher de dourado, Shivani nem a ouvira chegar até ali com o som das moedas. O rosto dela estava iluminado pela luz do cetro. Agnes começou a se afastar, assustada.

Preto Cinza e Tempestade - FortunataOnde histórias criam vida. Descubra agora