Vermelho e Vingança

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A faca deslizou mas cortou superficialmente. A mão de Shivani deslizou com o balanço do Navio, eles estavam aportando, ela não se importava. A pirata ainda agarrava Asmus com fúria em seus olhos. As palavras dele reverberavam em sua cabeça.

- Não pense que sabe quem eu sou. - Ela subiu a faca até o rosto dele, girando no lado oposto da sua cicatriz. Isso o fez se encolher, ela percebeu com satisfação. - Não pense que sabe quem eu fui.

Ela continuou, afundando a faca até ver vermelho. Asmus perdeu o sorriso.

- Eu te odeio mas te tolero, então vamos deixar uma coisa clara. - Ela continuou, a faca se movendo com a lentidão de um verme marinho. - Eu não te tolero porque eu gosto de você. Eu te tolero porque sou obrigada. - Já tinha quase um quinto de círculo desenhado. Ela sabia muito bem que Asmus tinha força o bastante para pará-la e ela não o temia. - Mas não vai demorar até eu não ter mais essa preocupação. Existem poucas coisas nesse mundo que podem me ameaçar, monstro, e elas estão sumindo uma a uma. Não é como se eu fosse uma maldita sereia que morre com sal. Então saiba que seus dias me atormentando estão contados. - Shivani fez uma careta quando disse isso. A pirata fez metade de um circulo, o sangue estava vazando e sujando seus dedos. E, apenas pelo prazer de ver Asmus finalmente calado e atento, ela se inclinou lascivamente perto da boca dele e lambeu o vermelho em seus dedos. O gosto metálico que esperava não estava lá, em vez disso era algo doce, como caldo de maçã.

Shivani cravou a faca no convés, ao lado da cabeça de Asmus antes de se levantar. Ela o viu levantar as mãos até o rosto, ele não parecia estar ali. Parecia um fantasma, ela percebeu, ainda que quase nunca pareça humano. Talvez a pirata tivesse revivido um momento de terror de Asmus. Ela não achou aquilo ruim, não depois de ter passado pelo mesmo.

Então Shivani viu onde embarcaram e os piratas subindo as escadas do porão. A cidade mais próxima do Cabo da Baleia de Ferro, o domínio da Frota Estatal e a oportunidade perfeita de retaliação. A cidade era grande, abastada de feiras e comércio. Ela mal podia esperar para cumprir sua promessa, já tinha adrenalina correndo nas veias.

Ela não dava a mínima para seu pai agora, ele poderia fingir que trinta outras garotas eram suas filhas, Shivani não ligava, ela estava livre dele. Na verdade, esperava que ele tivesse muito prejuízo com aquela invasão.

O Ditador tentara pisar em sua casa como se fossem ratos a serem detetizados. Mas há uma coisa a respeito dos ratos: destrua seu ninho e espere que eles vazem para as ruas, casas e despensas.

Dez navios aportaram como o Arcanjo. Os seus outros companheiros estavam em outras cidades costeiras. Esta noite fariam barulho, ataques simultâneos por todo o continente, destruíriam o que estivesse ao alcance e mostrariam a justiça pirata. Cento e setenta e sete portos ao mesmo tempo.

Shivani afastou todas as palavras de Asmus e toda a informação de Agnes. Nada disso a atingiria, não mais, não agora. Ela não lançou um olhar para ver se Asmus ainda estava no mesmo lugar de antes. Assim que os seus piratas se posicionaram, ela mandou prepararem os canhões. O Navio virou de lado no porto, ela já podia ver as pessoas correndo em desespero. O Capitão estava usando seu binóculo, sentado, esperando Shivani começar. Ele deu um sorriso de escárnio. Ela retribuiu.

Então a primeira bola de canhão explodiu uma torre da cidade, metal e pedra voaram. A pirata uivou, expressando tudo o que reprimira nesses últimos dias, ela passou por todos os canhões acendendo-os com uma vela grossa. Os piratas gritavam e se lançavam para fora do navio com suas lanças e espadas em mãos. As explosões consecutivas eram música para seus ouvidos.

Os outros navios começaram a atirar. Retaliação. Vingança. Revanche. Ou Lei do Retorno. Chame como quiser, aquilo pertencia a Sereia do Navio Arcanjo. O cheiro de pólvora e cinzas era o cheiro da sentença sobre eles.

Como uma matilha faminta e louca, os outros piratas dos navios também saltaram sobre a cidade, suas bocas espumando enquanto saqueavam. Shivani subiu até o alto de um mastro, ela pode ver o fogo se alastrando como um pagamento bem feito. Seus olhos cinzentos refletiam a cidade como uma tempestade solar.

Então ela tirou sua espada e saltou no porto da cidade, suas botas pousaram com força e ela sentiu o peso da lâmina. Ela era um corretivo em suas mãos e a pirata gostava da sensação. Shivani foi preenchida de alegria delirante, ela tinha tão pouco a perder que mesmo chegar perto das chamas não a fazia suar. Sua espada fez um banho de sangue, o som dos gritos e o cheiro da carne queimada eram provas da vingança. Ela destruiu um banco e uma dúzia de outros estabelecimentos.

Como um pesadelo numa noite de tempestade, a Sereia abriu fogo contra o refúgio dos navios voadores.

Destroços, fumaça e chacina. O estrago que os piratas faziam na cidade era vermelho, preto e cinza, da cor da vingança, da fumaça e da ruína. Os gritos dos transeuntes eram a mensagem que ela queria que chegasse ao Ditador.

Horas depois, quando seus cabelos estavam com sangue seco e bagunçados, suas roupas estavam chamuscadas e seus bolsos cheios de dinheiro, Shivani percebeu algo. Asmus lutava ao lado dela, desde o início ele cobria suas costas com uma ferocidade apaixonante. Seu rosto ainda tinha uma meia lua sangrenta, ele segurava uma adaga e ela não sabia o porquê ele a seguira. Asmus ainda lutava como uma criatura da morte, mas agora, ele a cercava como um cão pastor. Shivani havia ativado algo naquele homem de raciocínio corrupto que ao invés de fazê-lo odiá-la, o fez segui-la.

Talvez pensasse que vilões como eles devessem ser vis juntos. Mas ela não era como ele. Shivani não sabia o que Asmus era.

Quando os piratas levaram para o barco tudo de valor, Shivani fingiu não notar Asmus em seu encalço, ela entrou em sua cabine e deitou em ouro. Afastou de sua mente os demônios que a perseguiam. Asmus estava estragado por querer ficar perto dela, mesmo depois de afastá-lo. Ela não o queria perto, ele era louco e desde que ele chegara, cada pedacinho do seu passado ressucitara. E ele não se importava em estar ao lado dela naquela carnificina. Não era a primeira vez que ela fazia algo horrível, Shivani cresceu rodeada de coisas horríveis. Ela se lembrava de estar com oito anos em uma sala de tortura aprendendo o nome dos instrumentos, seu pai com a mão em seu ombro, encorajador.

A pirata sentiu vontade de vomitar.

Colocou no lugar da memória sua espada mágica e o orgulho que sentiria quando encontrasse tudo. Ela faria com que seu pai, o Ditador e todos os outros se arrependessem muitíssimo.

De repente, um grito agudo fez seus ouvidos doerem. Ela abriu a porta, vendo Agnes ajoelhada no convés, seus ombros chacoalhando com o choro.

- Meu Deus. - Agnes sussurrou olhando o fogo enquanto seu barco se afastava mar adentro. - Isso é minha culpa. Meu Deus...

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A mini heroína está a solta e tem algo realmente danificado com esses dois piratas...

A mini heroína está a solta e tem algo realmente danificado com esses dois piratas

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Preto Cinza e Tempestade - FortunataOnde histórias criam vida. Descubra agora