Um tesouro de tempos inimagináveis

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Shivani sonhou que estava amarrada. Sonhou que tinha uma pequena faca e não importava o quanto continuasse cortando e serrando, ela não conseguia se livrar das amarras.

Quando acordou, tinha sede e sua cabeça pesava. Ela se arrastou para fora da cama e abriu a porta do quarto ao lado. Não se importava que estava de roupas de dormir, não conseguia voltar para aquele pesadelo. Agnes não estava no quarto mesmo àquela hora da madrugada, Shivani também não conseguiu encontrá-la no dia anterior.

O coração batia aos trancos e ela sentia os olhos ressecados. Sua cabeça ribombava "nome", "O nome", "O Nome", sem parar. Ela estirou a mão na escuridão, os dedos tremiam com alguma espécie de adrenalina.

Ela se esgueirou até o local mais escondido da mansão. O quarto de Reinier. Precisou entrar na varanda de dois quartos e pular na completa escuridão para conseguir entrar por fora. Quando bateu com os joelhos na varanda dele, perdeu o ar pela dor. Ficou deitada por alguns segundos, olhando para o céu estrelado e arfando.

As cicatrizes dela pediam por um nome.

O nome.

O Nome.

Shivani afastou as cortinas e irrompeu dentro do quarto. Tropeçando como uma bêbada. Reinier se sentou, no seu sono. Ligando um abajur.

- Pirata? - Ele balbuciou. Mas não parecia sonolento de verdade.

Ela caminhou até a ponta da cama, batendo o quadril na madeira. Suas mãos encontraram os lençóis macios, e ela escorregou para o colchão.

- Pirata, isso já está passando dos limites. Eu te deixei viver e nós temos um acordo, mas isso não significa que eu vá... - Ele parou. A lâmina apontada contra seu abdômen subiu lentamente.

- Eu... - Ela passou a faca devagar. Tinha a roubado da área de carne das cozinhas, não era uma faca de mesa, com certeza não. - Quero... - Ela se inclinou contra o ouvido dele, deixando que o próprio corpo pressionasse a faca. - Um Nome.

Inesperadamente, uma das mãos dele segurou o cabo. Ele não a afastou nem a pressionou, estava bem entre uma das costelas, nada fatal mas realmente doloroso, seus olhos escuros se fixaram nela. Ele ergueu o queixo.

- Você não quer me matar, Shivani. Nem me machucar, por incrível que pareça. - Sua voz era grave. Era a voz que lhe diria o nome, era sim. Era a voz que ela precisava ouvir.

Precisava ouvir. Sibilaram suas cicatrizes.

O aperto dele era mais forte do que ela esperava, impedindo-a de pressionar a faca.

- Antes de você me esfaquear... - Ele sussurrou. - Deixe-me tentar a sorte e te mostrar uma coisa.

Ela sentiu um puxão, algo como uma linha em seu estômago, impulsionando-a. Shivani soltou a faca e desceu da cama. Seus músculos estavam rígidos.

Ele se levantou devagar, como quem se aproxima de um animal selvagem. Shivani o observou, estava sem camisa, podia ver o torso e o abdômen torneados. Os cabelos dele estavam bagunçados, mas não havia sonolência em seu rosto nem em sua voz.

- Eu conheci... - Ele começou devagar, um tom tão rouco quanto belo. - Um homem como você. Um pouco ambicioso demais. Um pouco inconsequente demais.

Ele suspirou e se virou caminhando até uma estante de livros. Shivani franziu a testa para o metal nas costas dele.

Uma espinha. Parecia acoplada nele, desde a quarta cervical até o sacro, feita completamente de metal negro. A dorsal não era um adereço ela percebeu. Iluminada em pontos laterais, se movía conforme ele de movia. Shivani conhecia aquele brilho como conhecia o brilho dos próprios olhos. Magia. Do tipo real.

Preto Cinza e Tempestade - FortunataOnde histórias criam vida. Descubra agora