Nova Jornada

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A porta se fechou atrás dela. O cheiro de ar velho e fétido atingiu suas narinas. Shivani quis cuspir no rosto de quem limpava aquele lugar e o faria quando descobrisse, mas sua atenção se fixou nas correntes e na focinheira, na forma como o ferro não se movia mesmo que ele tremesse pesadamente.

Uma risada psicótica soou e ela soube que Asmus estava acordado. Ela se aproximou, chutou com força para que ele olhasse pra cima. Ele tossiu com o impacto, Shivani agarrou os fios pretos sujos de sangue e forçou seu rosto para cima, Asmus levantou os olhos azuis sem brilho, com um sorriso vazio.

- Olá, meu lindo pesadelo. - Ele cantarolou com animação. - Pronta para me envenenar de novo?

- Olá, meu monstro de estimação. - Shivani sorriu com as presas à mostra. - Tenho um trabalho para você hoje.

- Sinto que você está começando a gostar de mim.

- Adoro quando você faz seu trabalho bem feito e eu não tenho que limpar seus rastros. - Ela concordou. - Mais ainda quando você não tenta me matar.

- Bom é um começo. - Bufou ele por detrás do ferro. Ele ainda conseguia falar com aquela mascara mas para o bem de Shivani, não conseguia morder. Ela quase havia perdido o dedo mindinho da primeira vez que se aproximara demais. E desde a última vez que ele fugira, deixara a pirata para morrer num poço de metal líquido. Sua vingança foi parecida. - Um passo de cada vez e eu me livrarei de você.

- Será uma pena. - A Sereia do Navio desdenhou amarga até os ossos.

- De fato.

- Tirem ele daí. - A pirata disse aos subordinados atrás de si e saiu do porão de Arcanjo.

Shivani se sentia mais lúcida do que nunca. Ao contrário daqueles sob a sua proteção. Ela havia estragado tudo, admitia, mas não sozinha.

Mesmo depois de alguns dias de viagem no mar, tudo ainda parecia irreal. Agnes estava no porão do navio sendo alimentada com carne de peixe cru, ela ainda não recuperara a consciência humana e atacava tudo que se movia. Asmus estava numa cela própria, acorrentado até os dentes. Depois que ela o recuperara na Cordilheira das Sereias de Cobre, ele desmaiou na praia e acordou fazendo um estardalhaço no navio, matou cinco de seus homens. O próprio Capitão mandara prendê-lo.

Apesar dos fracassos, Shivani havia encontrado uma nova pista em seu mapa. Faltava seis fragmentos para que a Espada do deus da Fortuna estivesse completa. Assim que ela encontrasse mais dois, partiria para sua vingança contra o Ditador.

- Shiva. - O Capitão chamou.

- Velho. - Ela comprimentou. Os olhares deles se cruzaram por alguns segundos. Os guinchos de Agnes preenchiam o silêncio. As correntes de Asmus sendo soltas faziam um eco no porão. - Trouxe ele de volta para você.

- Não trouxe nada de volta para mim. - Ele rebateu, a voz grave. - Sabe disso.

Shivani ficou calada. Ela poderia ter matado o monstro, seria punida, mas o Capitão não a culparia por sua vingança. Asmus não estava morto...

- De qualquer forma você precisa dele. Eu sei que arruinei tudo. Mas aqui está seu prisioneiro e aqui estou eu, ambos funcionais.

O Capitão assentiu.

- Eu disse para você se manter longe dele. E você não me ouviu. Eu disse que ele era perigoso.

- Perigoso. Tudo é perigoso para mim. - Shivani acusou, desgostosa. - Não sou uma criança.

Preto Cinza e Tempestade - FortunataOnde histórias criam vida. Descubra agora