O novo membro da tripulação

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Shivani sentiu como se um animal selvagem tivesse se aproximado dela. Ao mesmo tempo ela estava ameaçada por sua presença e curiosa com a sua confiança.

Khrysaor era esse animal selvagem.

- O que me diz? - Ela ofertou. - Podemos decidir os termos, mas você veio até mim para isso, não é?

Ela buscou alguma resposta no rosto do comprador. Mas estava neutro.

- Não tenho muito tempo até os guardas começarem a perceber quem eu sou. - Ela o apressou. - Ou você faz um acordo com a pirata mais procurada dos nove mares ou cai fora daqui e espera até que eu te degole durante a noite.

- Então é verdade que você realmente fará qualquer coisa pela Espada. - O viajante concluiu. Ela não sabia quem havia lhe dito, mas decidiu que odiava rumores sobre si, principalmente os fundamentados. Ela não gostava que seus segredos fossem espalhados, não queria concorrência.

- Escolha, Khrysaor. - Ela estava começando a se irritar.

- Teremos um acordo, Sereia do Navio Arcanjo.

O sorriso faminto estava lá de novo. Eles apertaram as mãos. Shivani deu uma boa olhada no viajante rico e misterioso. Ela sabia o que iria querer dele.

🌙 🌙 🌙

Asmus estava eriçado como um gato irritado. Shivani realmente não via o quanto o comprador era perigoso, ou ela apenas ignorava isso?

Na mesa do Andrômeda, sob a luz do luar numa mesa afastada, Asmus, Shivani e Khrysaor discutiam como agentes de negócios. Asmus estava preocupado. O Eclipse seria ainda aquela noite.

- Você sabe que a minha parte do acordo é simples, podemos arcar com outros benefícios mais tarde. - Shivani comia bolinhos de bacalhau sob o véu da princesa à vapor, escondendo sua identidade bem o bastante, eles esperavam. - Mas eu ainda não entendi qual é o seu ponto vindo até aqui. Não pode ser apenas entrar na tripulação do Arcanjo. Eu tenho outros acordos, e todos eles são mútuos.

- Meu lindo pesadelo não perde uma oportunidade benéfica. - Asmus ronronou. Ele ainda estava tendo cuidado com Khrysaor, mas não perderia suas piadas, ou Shivani notaria que ele não acreditava que sua companhia fosse humana.

- E como eles são? - Khrysaor perguntou, mexendo sua xícara como se fosse uma conversa agradável sobre o clima.

- Um deles envolve uma troca de forças e perguntas pessoais. Outro, de proteção e trabalho. - A proteção no caso de Agnes não havia corrido muito bem, e a força de Asmus... bem eles já haviam resolvido aquilo - E o último, bom lucro e um navio.

Shivani não fazia um acordo em que não estivesse em vantagem. Asmus não podia entender o que ela estava pensando. Ela estava mesmo desesperada? Corrompida pela espada?

Khrysaor tinha o rosto calmo. Asmus não confiava nele. Ele era como um segredo escrito no fundo de uma xícara de café, você só podia descobrir depois de beber algo amargo. Segredos são coisas perigosas, de onde o monstro viera, segredos eram moedas de troca, eram palavras não ditas usadas como facas. Asmus guardava segredos, porque quando um segredo é grande demais, quando ele toca o fundo de tudo o que é mau, ele deve permanecer desconhecido. Segredos assim devem ser levados para o túmulo.

- De fato, não é apenas isso. - Ele se aprumou na cadeira. Havia algo estranho na forma que ele pronunciava as palavras. Como se sua língua fosse algo mais parecido com a de uma cobra e menos com a de um humano. - Eu sou um viajante, pequeno albatroz - Shivani fez um estalo com a língua perante o título, memória muscular, o negociante continuou - Quando eu viajo, sabe o que eu mais vejo? Paz.

Os olhos de Asmus cruzaram os de Shivani por um momento. Ele havia dito a palavra como se fosse ácida.

- Eu vejo um monte de gente vivendo a própria vida esperando malucos como nós estragarem isso. - O monstro deu de ombros. Khrysaor o olhou baixo, como se Asmus fosse uma crianca falando na conversa de adultos. Ele não gostava de se sentir assim. E não se sentia desde...

- Particularmente, eu tenho achado este mundo deveras entediante... - A esse ponto, Asmus já estava se perguntando se ele sequer era desse planeta. Deveria matar o cara? Ele sangraria vermelho? - Até eu encontrar vocês. - Khrysaor moveu o rosto para formar algo próximo de um sorriso. Asmus realmente queria dizer "Ei, pare de imitar emoções humanas, fica péssimo em você." - Os encontrei por causa do garoto, seu cataclisma acorrentado. Eu realmente fiquei admirado pelo furacão que você trouxe àquela vila. E depois, o pequeno albatroz e seus marujos, saqueando quase duas centenas de portos numa única noite. O entupimento do Lago Infinito. O caos no ninho das sereias de cobre. Foi tudo fascinante.

- Eu causo esse efeito nas pessoas. - Disse o monstro desumilde.

- Então você veio até aqui... por que nós somos destrutivos? - A pirata concluiu, indecisa. Na verdade, até aquele momento ela não parecia saber que o poço de metal havia parado de funcionar, ou que a vila havia recebido um furacão.

O monstro encarou Khrysaor, que o encarou de volta e colocou um dedo sobre os lábios, um gesto só para ele. Asmus sentiu o coração acelerar. Ele sabia, Asmus percebeu, ele sabia, ele sabia.

O viajante se voltou para Shivani - Tenho uma admiração especial pela destruição.

É claro que tinha.

- Então você vai me entregar o fragmento, enquanto eu vou permitir que nos acompanhe no nosso... rastro destrutivo. - A pirata colocou em palavras. Era verdade, eles deixavam um rastro destrutivo onde quer que passassem. Eram desastres naturais. - Não me parece lucrativo o bastante para você. Com todo o respeito, Khrys, você me incomoda. - Shivani disse, como se alguém tivesse perguntado. Asmus sentiu que os miolos dela finalmente voltaram a funcionar. - Você aparece aqui, sabendo o apelido que meu pai me deu, me encontrando depois de dez anos sem que alguém pudesse me rastrear, sabendo e mantendo longe de mim o que eu mais procuro. Eu não sei o que você quer, mas não é apenas entrar no meu navio e ver de perto os problemas que eu causo. Você não gastaria trezentos milhões para isso, seu bastardo mentiroso e desgraçado.

Asmus deu uma risada. A primeira desde que eles chegaram ali. Ah, finalmente lá estava ela, seu lindo pesadelo. Aterrorizando alguns sonhos. Ela não era tola, era Shivani.

Khrysaor se mexeu ansioso. Suas primeiras tentativas não funcionaram.

- Eu sei onde o Deus da Fortuna está, e tudo o que eu quero é que você o mate.

Nesse exato instante, as portas do Café Andrômeda foram escancaradas e uma dezena de corsários com uniformes dourados de Mangata invadiram. Eles levavam pistolas e espadas, uma longa lista amarelada e um cartaz de procurado com um rosto.

- Procuramos pela pirata Shivani Arcanjo. Acusada de cento e dois crimes contra o governo de Mangata e sessenta e um contra as Ilhas Orientais. Você está presa e tem o direito de permanecer calada até que seus crimes sejam lidos no tribunal! Seus comparsas serão levados como cúmplices e serão julgados!

Asmus tirou a espada da cintura da pirata num segundo, finalmente alguma diversão. Shivani sacou suas facas, os olhos de tempestade trovejando. Khrysaor tirou um de seus sabres nas costas calmamente. Os três se levantaram, em posição de combate.

- Podemos falar sobre suas informações se sairmos vivos. Mas agradeceria muito a sua ajuda agora para evitar um enforcamento.

Preto Cinza e Tempestade - FortunataOnde histórias criam vida. Descubra agora