Pirata, não dama

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Trigger Warning: Violência.

Shivani na mídia, mas imaginem que ela tem um nariz aquilino. Ou seja, com a ponte proeminente, exemplo a atriz Alba Flores.

Áudio para o capítulo

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A bomba havia sido acionada.

Shivani odiou-se por não ter se certificado antes.

- Sua boca é uma praga. - Disse para o Capitão.

- Eu só avisei. - Ele se defendeu ofendido.

- Sua energia bunda-mole fez o negócio querer explodir.

- Eu vou te jogar dessa janela se me insultar dessa forma de novo, mocinha.

O relógio fez tic-tac.

- Vocês terminaram? - Asmus cachoalhou a bomba na frente do rosto deles. - Isso aqui está para ex-plo-di-ir. E eu vou enfiar na goela do lindo pesadelo se ela não der um jeito logo.

- Eu ainda vou matar todos vocês. - Rosnou ela saindo da cabine.

Shivani procurou por Rubens e soube que o levaram para o porão do navio. Ela desceu as escadas, o navio cheirava a peixe ali embaixo, as celas eram mais sujas do que as tripas de um.

Ela se sentou numa caixa em frente às barras e retirou uma adaga do casaco. Rubens estava a sua frente mas ela olhou para a lâmina enquanto a girava nas mãos.

- Como você pode ser uma pedra tão deplorável em meu caminho todas as vezes que nos encontramos? - Ela cravou a adaga na caixa ao seu lado.

- Da mesma forma que você pode ser um diabinho ensaboado que escapa todas as vezes, garotinha. - Ele jogou a cabeça para trás, sentado no chão. O apelido a levou para dias passados, mas ela se forçou a encarar intocável.

- Desligue a bomba. - Ela ordenou, a ameaça implícita.

- Deixe o garoto na ilha deserta junto comigo quando for me despachar e eu te deixo ir em paz. - Ele ofertou.

Shivani bufou, era mais complicado do que isso.

- Eu mandei desligar. - Ela segurou a adaga e se enrolou sua mão livre na gravata do capitão, puxando-o e pressionando seu rosto contra as barras. - Não tem barganha quando você está na minha cela e no meu navio. Se explodir que exploda, você vai estar jogando sua chance de viver no lixo. - Ela analisou a adaga, a milímetros do olho dele. - Desligue ou eu vou fazer uma arte nessa sua cara de porco.

- Pode fazer isso. - Ele sibilou. - Seu precioso navio ainda vai ir para o fundo do mar, sua bruxa.

Shivani bateu o rosto dele contra as barras.

- Não ameace minha tripulação. Não ameace meu navio. - Ela apertou a adaga contra a veia saliente. - Posso jogar seu corpo e a droga da bomba no mar se eu quiser.

- Mas não vai ter nada para dar para minha tripulação. - Ele sorriu ainda sob a ameaça. - Acha que eles vão embora sem o capitão prometido? Eles voltarão e retaliarão.

- Eles farão isso de qualquer jeito. - Ela sorriu. - Não sou idiota. Estou ganhando tempo. E você está perdendo o seu. - Ela puxou seu colarinho. - Desligue a bomba, Rubens.

Rubens sorriu.

- E pensar que aquela linda jovem dama se tornaria isto. - Ele passou os olhos pelo corpo dela, onde sabia que estavam as cicatrizes. - Sabe onde estão todas as outras agora?

Shivani cravou a orelha de Rubens contra aparede com a adaga. Sua paciência havia se esgotado. Ela não queria ouvir, queria enterrar seu passado fundo numa cova como a garotinha que ela era havia sido enterrada. O homem grunhiu mas não parou de falar:

- Estão mortas ou foram vendidas, algumas são apenas um olho muito bem vivo adornando um navio aéreo ou um robô. Você as conhecia certo? - Ele riu mesmo depois que ela o esmurrou para que se calasse. - Você as deixou para trás. Fugiu e deixou que morressem. Você teria um destino diferente do delas e sabia disso. - Rubens continuou falando mesmo depois que Shivani arrancou a adaga e cravou-a na coxa dele. - Você aprendeu... - Ele tossiu quando ela cravou na outra coxa, sabendo que a ensinara onde esfaquear. - O que tinha que aprender e depois você fugiu como uma covarde.

- Cale a boca, cale a boca! - Ela arquejou.

- É o que vai acontecer aqui. Todos vão morrer porque você é uma covarde. - Ele gargalhou entre as barras sobre o rosto dela. - Pode não ser hoje, nem amanhã, mas vai acontecer algum dia, garotinha.

Shivani não podia ouvir. Ela quebrou um dos dedos de Rubens e o ouviu gritar em reprimenda.

- Você esqueceu onde nasceu? Não é um acordo que vai mudar isso, Raquel, aquele Capitão pode te esconder mas não pode mudar seu sangue!

Ela quebrou um segundo dedo. Odiava ouvir aquele nome. Ela o renunciara e ele não era mais seu, recusava ser chamada de "ovelha", principalmente por um homem como aquele.

- Seu sangue não é sangue covarde, mas você é. Sempre foi. - Ele acusou. - Desista dessa vida sem futuro, você sabe que é uma...

- Eu sou uma pirata. A melhor, das melhores. E serei ainda mais do isso. - Calou-o. - E você pode pensar que é o pior dos piores e que pode me destruir. - Ela riu e abriu a porta da cela, dando um passo a dentro. - Mas eu aprendi algumas coisinhas enquanto vocês não conseguiam me achar.

Depois disso foram apenas gritos.

Asmus se perguntou quanto tempo Shivani passaria lá embaixo. Ele estava muito tentado a descer e ver a carnificina mas Aulak, mesmo tremendo, conseguiu impedir. Ninguém podia ficar tão perto de Shivani quando ela estava furiosa, e eles podiam ouvir ali de cima que ela estava mais do que isso. Aulak sabia pouco sobre quem ela fora antes e não  ousava saber mais. Ele mesmo entendia que existem muitas partes de nós que devem permanecer escondidas.

Tão logo quanto os gritos pararam o tic-tac do relógio parou. Asmus não tentou negar que estava decepcionado por não ver fogos de artifício hoje mas adorou a visão de Shivani subindo as escadas com sangue até os cotovelos.

- Lindo pesadelo. - Ele disse.

- O quê? - Ela se virou.

- Você. É um lindo pesadelo. - Ele sorriu com as mãos nos bolsos. - Me diga... em que tipo de sonho horrível você transformou a vida do seu pai para ele te caçar assim?

Num segundo, Asmus estava no chão com a adaga ensanguetada de Shivani no rosto. Desde que ele chegara aquele foi o momento que ela esteve mais perto de realmente matá-lo. Todos no navio sabiam que não deveriam mencionar o pai dela, mesmo o Capitão evitava fazê-lo. Ela poderia trazer o inferno a vida se alguém falasse dele por muito tempo, e não se importaria com acordo algum.

Ela estava cansada de ver a garotinha que era nos olhos de Rubens e se recusava a sê-la nos de Asmus.

Uma gota do sangue na adaga pingou.

- Nunca. - Shivani não passava de ódio flamejante e lembranças frias. - Nunca. Me pergunte isso.

Asmus, pela primeira vez, ficou sério. Ele conhecia aquele olhar, o olhar de uma criatura desafortunada e feroz, se havia um motivo para Shivani ser chamada de sereia não era por ser belíssima. Sereias eram seres trágicos e monstruosos.

- Sim, meu lindo pesadelo.

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Partes do passado da nossa protagonista se revelam....

Preto Cinza e Tempestade - FortunataOnde histórias criam vida. Descubra agora