Amoras - I

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Alice

Sempre que chegava o verão, senhor João, meu pai, armava a piscina de trezentos litros no quintal e cada final de semana, ele convidava amigos diferentes para virem fazer churrasco e permitir que os filhos brincassem entre si. Eu amava esses momentos.

Eu sendo a filha do meio, não tinha muitas opções de brincadeiras com meus irmãos. A Beatrice era quinze anos mais velha que eu, então já estava namorando e não brincava mais comigo. O Juninho, estava completando um aninho e eu não sabia brincar aquelas brincadeiras repetitivas que os bebês gostam. Eu estava com cinco anos e gostava de acreditar em contos de fadas e imitar a vida dos adultos. Então, quando surgiam crianças diferentes aos finais de semana, era o momento mais aguardado da semana.

Meu pai é um homem sério, mas muito amável. Tem facilidade em fazer amizades e gosta de conversar. O que o estraga um pouco é o extremismo religioso, mas o que o estraga muito, é o machismo. É descendente de alemães, conservadores e rudes. Daí a origem do meu sobrenome: Stromps. Atualmente é aposentado da antiga FEPASA, trabalhou a vida toda como mecânico de trens, e esses amigos que ele trazia para casa, eram seus companheiros de trabalho.

Minha mãe, dona Fátima, é cozinheira de mão cheia. Na minha infância, ela trabalhava no orfanato da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Hoje ela dedica seus dias a ficar em casa com meu pai, ambos só vendo notícias falsas e a cara enfiada no celular. Meu irmão ainda mora com eles, apesar de já ter trinta e dois anos, ainda é tratado como o bebê da casa.

Diferente da infância, onde nos divertíamos muito, hoje em dia os finais de semana que passo com eles, é regado a muito silêncio e conversas fúteis. Sinto muito a falta de um relacionamento amigável e cheio de amor. Desde que assumi minha homossexualidade, as coisas em casa ficaram bastante difíceis. Meus pais, devido a religiosidade extremista, já me condenaram ao inferno sem ser preciso passar pelo Juízo Final. E com isso, por eu já estar condenada, eles não se permitem me amar incondicionalmente, como em tese, teria que ser o amor dos pais pelos filhos. Enfim! Cada um sabe a dor e a alegria de ser quem é. Eu nasci assim, foram eles mesmos que me fizeram, então, não posso fazer nada.

Mas os finais de semana da infância, eram bem legais. Teve um que foi muito divertido.

Um tal de sr Nardo, como meu pai o chamava, chegou em casa trazendo sua filha que aparentava ser um pouco mais nova que eu, de cavalinho no pescoço. Achei tão maneiro aquilo que na hora pedi para que meu pai fizesse igual, ele não exitou e logo me colocou em seu cangote também. Ambos os pais corriam em volta da piscina, divertindo-se ainda mais do que eu e minha nova coleguinha. Ríamos muito com cada "galopada" que eles inventavam, fazendo aquele gelo na barriga surgir a cada subida e descida do galope.

Nossas mães, ficaram na cozinha preparando a comida, enquanto nossos pais acendiam a churrasqueira.

- Vamos brincar na piscina? – chamei a menina

- Vamos sim!! Meu paizinho me falou que eu podia brincar até querer dormir embaixo da água – me respondeu

- Mas não pode dormir embaixo da água! – retruquei com ela

- Se meu paizinho falou que pode, é porque pode! Você nunca fez isso? – me perguntou franzindo a testa

- Eu não! A água é gelada e eu gosto de dormir na cama com bastante cobertor e meias no pé. Ia ficar estranho dormir na piscina. Minhas meias ficariam molhadas – respondi a ela sorrindo

Brincamos muito na piscina até que o almoço ficasse pronto.

Depois de nos alimentarmos, minha mãe e a mãe dela que tinha uma expressão bem de brava, nos falaram que teríamos que esperar um pouco para voltar à piscina, para não passar mal. Fomos então brincar de casinha pelo quintal.

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