Pneu da moto

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Alice

- É como dizem por aí: o pobre não tem um dia de paz nesse c****. Estou parada em um bolsão lateral da marginal, simplesmente porque algum infeliz enfiou um prego no pneu da minha moto e eu não percebi isso antes de sair. Mas é lógico que eu não perceberia! Quando eu iria imaginar isso? – eu estava gritando ao telefone ao solicitar a assistência do seguro.

Alguma coisa bem lá no fundinho de minha alma, ok! Nem tão fundo assim. Mas alguma coisa me diz que isso é obra de um moleque metido a besta que pretende conquistar uma mulher, pedindo sugestões de outra mulher. E quando recebe uma sugestão que poderia ser usada como um bônus, faz o quê? Estraga tudo! Mas não basta estragar em grande estilo. Tem que não ser homem o suficiente e assumir os próprios erros.

É óbvio que está com raiva da minha pessoa. Em sua cabeça desiquilibrada, a culpa desse fiasco é toda minha. Afinal, fui eu que dei a sugestão de flores e cartão. Mas eu disse "enviar flores e mensagem de apoio" na expectativa de ser um buquezinho de lírios com um discreto cartão, apenas com as iniciais para causar impacto. Ou, até mesmo que fosse um bouquet de rosas, mas um. Apenas um. Do numeral um. De uma unidade. Meu Deus!! Esse moleque é doente!! E ainda sobra pra mim? – refletia tudo isso sentada na moto, em pleno sol de meio dia à beira da Marginal Pinheiros.

Eu já havia tirado o blazer e o colete. Empurrado a manga da blusa. Já tinha tirado os sapatos. Calçado novamente. Ficado em pé. Sentada à moto. Sentada no asfalto. Contado os carros. Admirado as motos. Acenado para quem passava. Até o dedo do meio já mostrara em completa falta de paciência por assoviarem pra minha pessoa.

Após longos noventa minutos, a assistência do seguro chegou e me guinchou até a borracharia mais próxima, onde deixei metade de um rim para o conserto do largo pneu traseiro de minha motocicleta. Não consigo quantificar o tamanho da raiva que sentia de Joseph Gordon.

Não deixaria passar. Tão logo o conserto ficou pronto, parti direto ao escritório dele.

Estacionei e subi à sua sala com tanta pressa que mal vi a cor do chão. Anunciei a minha chegada e a secretária me pediu para aguardar, pois o mesmo encontrava-se em reunião.

Eu andava de um lado para outro na sala. Sem sossego. Minha visão ainda estava meio embaçada e monocromática por ter ficado tanto tempo exposta ao Sol. Meu estômago roncava de fome. Coração descompassado e aquela demora em me atender, não favorecia em nada para me acalmar.

Quando a porta do escritório se abriu, olhei rapidamente para dentro o encarando, que roborizou mais que a mim. Eu respirava ofegante na espera de estar frente a frente com esse homenzinho desprezível.

Seus companheiros de reunião saíram e mal chegaram à recepção, eu entrei. Tranquei a porta e fui em direção a ele:

- Boa tarde, senhorita Alice Stromps. Posso te ajudar? – se dirigiu a mim em tom irônico e com os braços cruzados, sentado à ponta da mesa

- Pode sim, senhor Joseph Gordon! – o respondi também em tom irônico

- Sou todo ouvidos – me falava sorrindo em deboche

- Para começar, pode por favor me pagar sobre meus serviços prestados ao senhor na última terça-feira, onde representei a sua empresa na Casa de Leilões – disse a ele enquanto andava em sua direção

- Ah! Sim! Já ia me esquecendo daquele desserviço que vossa senhoria prestou à minha empresa – me disse com a sobrancelha arqueada

- Ótimo! Obrigada – continuei – Pode também incluir o conserto do pneu da minha moto, que o senhor fez o desserviço de furar.

- Mas que calúnia!! Tem provas, senhorita Stromps – me falou ironicamente

- Tenho mais que provas Sr Gordon. Tenho absoluta certeza de que foi o senhor, depois da vergonha que se prestou em passar na Casa de leilões.

- Não sei do que você está falando! A mim, me pareceu uma bela manhã. Estivemos em um ambiente lindamente florido, com a presença ilustre de grandes investidores e ainda fomos agraciados com um discurso incrivelmente bem proferido por uma das mulheres mais poderosas da grande São Paulo. Onde está a vergonha nisso, senhorita Stromps? – proferiu essas palavras com ar de superioridade e desdém ao mesmo tempo

Sorri ironicamente enquanto puxei uma cadeira e me sentei bem próximo a ele. Apoiei os cotovelos na mesa e elevei o tronco perto de seu rosto.

- A vergonha está em não ser homem o suficiente para se dar o luxo em conquistar adequadamente uma mulher tão maravilhosa como a senhorita Laura Veigas – cheguei ainda mais perto de seu rosto – A vergonha está em ser tão moleque que precisa de ajuda e ainda assim consegue por tudo a perder – cheguei mais perto – Está em não saber perder e usar da baixeza em que você se rasteja para tentar me atacar, destruindo coisas minhas e ainda assim não assumir. Você é nojento!

Ele me olhava imóvel. Havia chegado tão perto de sua face que foi possível sentir o cheiro de sua respiração mal cheirosa, aromatizada de charuto e álcool.

- Ouça, Alice! – me olhou com expressão de nojo e falava com os dentes cerrados – A Laura, será minha, custe o que custar! E se o que dizem por aí a seu respeito, for verdade, com essa sua atitude – ele parou e fez careta – Mesquinha de vir até aqui na minha empresa, atrapalhar o meu serviço, você acabou de me mostrar que estamos em um duelo. E aí, quem caçara a presa?

- Sobre o que diz, Gordon? – afastei-me perguntando

- Digo que você é dada a essa pouca vergonha de ficar com mulheres. Certamente ninguém, bem dotado assim como eu, ainda te pegou de jeito para te ensinar a ser mulher.

Quando dei por mim, já havia o esbofeteado e ele limpava o sangue do canto da boca com as costas da mão, olhando de canto furiosamente para mim.

- Ficou bravinha? Édessas que eu gosto – e lambeu os lábios maliciosamente me agarrando pelos braços antes que eu conseguisse me desvencilhar

- Por enquanto eu estava bravinha, senhor Gordon – falei olhando sua boca nojenta que estava a centímetros do meu nariz - Mas agora eu estou bravona.

Levantei a cabeça com força, atingindo seu nariz o que fez ele me soltar e ir pra trás. Acertei meu joelho em sua virilha. No que ele se curvou com dor, passei meu braço esquerdo sobre seu ombro e com a mão direita, atingi seu queixo e em seguida o nariz. Ele gemia de dor. Aproveitei para direcionar outra joelhada na virilha o que deixou-o desorientado.

- Ouse tocar novamente em mim – falei baixinho enquanto puxava seus cabelos – Tenho muito mais a mostrar. E sim, sou Lésbica! Com muito orgulho! Teria vergonha se me sentisse atraída por homens nojentos como você.

Ele só sabia gemer. Estava com o rosto estufado de ar. Vermelho. Não conseguia dizer sequer uma palavra.

- Antes eu não estava pensando em duelo algum. Mas já que me deu ideia, veremos quem vence! – falei enquanto saia – E não quero seu podre dinheiro. Escroto – cuspi no chão ao deixar a sala.

AmorasOnde histórias criam vida. Descubra agora