259 39 18
                                    


Laura

Hoje se completam cinquenta e dois dias que o mantra "Só por hoje não vou beber" começou a fazer parte do meus dias desde que comecei a frequentar o grupo para pessoas alcóolicas. O trânsito de final de tarde, sempre carregado, quase me impediu de chegar para a reunião semanal, mas mesmo atrasada, fiz questão de comparecer. No meio da conversa e reflexão em grupo, perguntaram qual foi o maior desafio que enfrentamos, estando sãos. No instante gargalhei e respondi rapidamente:

- Ficar sã!!

Todos riram! Já em casa, após um revigorante banho de banheira, sentei na varanda e continuei a refletir. Sem sombra de dúvidas, tive dois grandes desafios que enfrentei nesse período.

O primeiro e que ainda estou enfrentando tem sido dia após dia sentir a falta absurda que a Alice me faz. Meu Deus!!! Como sinto falta daquela mulher!

Em cada mísera atitude que tenho, meu corpo todo a busca. Meus sonhos são com ela. Meus planos são por ela. Meus passos são em busca de encontrá-la. Tudo o que sei sobre sua vida tem sido as postagens nas redes sociais e o que as amigas em comum contam. Dias atrás a Mayza junto com a Bia vieram em casa e não resisti em perguntar sobre notícias. Bia estranhou eu não saber nada, certa de que eu teria colocado alguma equipe de segurança à espreita. Expliquei que por o Joseph já estar preso, preferi não o fazer e para trabalhar comigo o que venho trabalhando em terapia, sobre essa minha obsessão por controle de tudo. Confessei que não deixei de ligar e mandar mensagem nenhum dia, porém, sem sucesso pois ela não atende nem responde. Me alegrei em saber, mesmo que minimamente que ela está bem e em ótima recuperação, no entanto, não me falaram nada além disso. Percebi e entendi que, se tem um lado para torcida nessa história, não é o meu que está vencendo. Continuo sentindo arrependimento por meus atos e falas em cada célula do meu corpo.

O segundo desafio que enfrentei e ainda não acredito que consegui vencer sem beber, foi estar cara a cara com Joseph. As lembranças do fatídico dia me assombram as noites e alguns momentos dos meus dias, mesmo que ensolarados.

Alguns dias após a Alice ir embora e eu começar a frequentar as reuniões e terapia, tomei coragem de ir até o hospital visitá-lo. Ele não poderia receber visitas, mas o Sr Carlos me ajudou e com uma alta quantia de suborno, consegui entrar em seu quarto. Desde que foi hospitalizado em um hospital municipal, não saiu mais. De acordo com as investigações em andamento, constatou-se que ele é de alta periculosidade, então, a transferência para um hospital particular foi negada.

Logo na entrada do hospital, uma equipe de policiais do Batalhão de Operações Especiais estavam de guarda. No corredor que dava acesso ao quarto, havia mais um grupo de policiais altamente armados e na porta do quarto, dois soldados, um de cada lado da porta, com fuzis nas mãos e com ordem de não deixarem absolutamente ninguém entrar, além do corpo de enfermagem e os médicos que o atendem.

O quarto, com mobília simples, uma cama de ferro na cor branca disposta bem ao centro, uma mesinha com quatro cadeiras no canto, paredes em azulejo branco, uma porta que acredito ser o banheiro e uma grande janela com acesso ao jardim interno.

Ao entrar, me deparo com a cena lamentável, contudo, satisfatória: Joseph deitado, vestindo camisola de internação, com o quadril todo imobilizado por faixas de gaze manchadas de sangue misturado com pus ou alguma medicação amarela, uma sonda pendurada ao lado da cama, uma bolsa de colostomia ligada em seu abdômen e um soro com acesso em seu braço. O outro braço que não estava com o scalp, preso por uma algema no ferro da cama. Barba feita e cabeça raspada. Quase não o reconheci, não fosse pelos olhos castanhos escuro carregados de ódio.

Se ele já era mal cheiroso estando bem e espalhando a desgraça de sua presença por onde passava, nessas condições exalava um odor fétido. Uma mistura de cheiro de hospital, com aroma de esparadrapos, misturada a odor de urina e sangue parado. Se fosse uma pessoa de bom coração, despertaria em quem o visse o instinto mais puro de condolências pela sua situação, no entanto, como é um ser miserável, vê-lo desse modo desperta um certo contentamento.

AmorasOnde histórias criam vida. Descubra agora