Mãe por mãe

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Laura

- Me diga Gil, o que faz aqui? - tornei a perguntar sem muita paciência.
Ele me olhava com olhos arregalados, porém sem a expressão leve que iluminava a todos à sua volta. Uma pessoa que por um tempo foi meu amigo e confidente, agora estava em minha frente e não se passava de um desconhecido, aparentemente desalmado. Com apatia respondeu:

- Mãe por mãe.

-Oi? - perguntei com o cenho franzido sem entender o que disse.

- Mãe por mãe - me falou baixo, olhando fixamente.

Meu corpo todo se arrepiou e senti minhas entranhas doer com essa fala. Entendi o recado e o sangue ferveu pela possibilidade descabida e insana da minha Didi ser alvo do Gordon. Minha cabeça rodava como um kamikaze a cair do céu com seu avião em alta velocidade. Os pensamentos confusos e as mãos gélidas me impediam de dizer alguma coisa. Milésimos de segundos pareceram horas e as cenas da explosão da casa em que a Alice estava e toda a agonia enfrentada desde então, passaram pela memória me fazendo reviver as emoções machucadas.

Gil segurou minhas mãos e me fez olhar em seus olhos, me tirando do devaneio. Estranhei seu globo ocular deveras vermelho e a pupila dilatada. Sua mão foi apertando a minha com mais força e a expressão de dor me causou pânico. Corri os olhos pelo seu pescoço e as veias estavam  estufadas. As pernas cambalearam e ele perdeu o equilíbrio.

- Gil?! - gritei ao segurá-lo em meus braços e ajoelhei-me para o segurar- Tom! Ambulância - gritei enquanto tentava o conter e todo seu corpo se debatia. 

Uma espuma branca começou a sair da sua boca e seus olhos viraram pra cima.

 - Tom! Ambulância!!! - gritei outra vez sem perceber que a ligação já estava sendo feita - GIILLL!!! - gritava pra ele, em vão, pois não me respondia.

Seu corpo se debatia muito forte ao chão. A cabeça apoiada em meus joelhos, impedia que se machucasse, porém, estava impossível o conter. 

Outros minutos que pareceram infindáveis horas. Dona Chica chorava ao nosso lado enquanto uma equipe de socorristas chegava para prestar os primeiros socorros.

Gil foi prontamente imobilizado e começou a receber oxigênio à medida que era levado para a ambulância e ordenei que um dos seguranças fosse junto ao hospital. Acompanhei o socorro até a porta de entrada, ainda lotada com repórteres e demais pessoas em busca de uma manchete.

Pronto! Tarefa concluída com sucesso. Se precisavam de uma notícia, a notícia apareceu:"Um suposto funcionário do Complexo Veigas passa mal e é retirado às pressas por ambulância."

Voltei à realidade quando meu corpo começou a ser tocado por inúmeras mãos, a maioria carregando um celular e várias perguntas vindas de todos os lados:

- Senhorita Laura, pode nos dizer o que aconteceu? Quem é o funcionário? É verdade que ele morreu em seu escritório? Quando veremos você e a Alice? Você vai gravar comerciais? Podemos confirmar sua participação no programa do Huck? Vai lançar uma empresa exclusiva para LGBTQIA+? (...)

Difícil filtrar tanta informação. A equipe de segurança tentava os afastar mas não conseguiam devido o tumulto ser grande. 

Baixei a cabeça e apressei os passos para dentro do saguão. Que espécie de ser humano nos tornamos? Uma pessoa sai de ambulância, sem diagnóstico e nenhuma notícia promissora e tudo o que as pessoas esperam, são notícias vazias e especulações da vida alheia, como se isso fosse o que mais importa.

Voltei para o escritório devastada.

Dona Chica logo me ofereceu um copo com água e não sabia o que dizer. Tom, me olhava, também sem palavras. Tomei a água em um gole só e suspirei profundo, procurando forças para continuar o dia, com a agenda cheia.

- Vamos Tom?! Preciso prosseguir - falei sem ânimo.

- Sim, Laura - me respondeu ponderado - O Gil foi levado para o Einstein e será nos informado o que aconteceu.

-Obrigada por cuidar de tudo - bati levemente em seu ombro - Você é o cara!

Ele sorriu timidamente e começamos andar em direção a sala da imprensa. 

A descida de cinco andares pareceu vagarosa e interminável. A imagem do Gil no meu colo, se debatendo incontrolavelmente estava latente em minha mente. Que desespero! Que coisa esquisita. Quando as portas do elevador se abriram,  me lembrei da fala dele antes de passar mal:

- Mãe por mãe!

Minhas pernas amoleceram e para não cair, me segurei no Tom. A visão deu uma escurecida e um mal estar se instalou em meu peito.

- Didi! - falei sem respirar

- O que, Laura?- perguntou Tom.

- Didi! Preciso falar com ela! O recado foi sobre ela - falava esbaforida - Me dê o telefone, urgente!

Ele me entregou o celular e tremendo, a liguei. Cada toque da chamada parecia anos que se passavam. Na minha frente, a porta da sala onde atrás daquela madeira, eu teria que transparecer ser a pessoa mais calma e bem resolvida do universo. Dentro de mim, uma infinidade de medos, inseguranças e pavores a serem enfrentados. Do outro lado da linha, a minha figura de mãe em risco de estar em perigo. Minha vontade era de sair dali e pegar todos a que amo e sumir do mapa. Entre tanta aflição, Didi atendeu sorrindo:

- Bom dia Laurinha! Axé minha menina.

Suspirei aliviada pela sua voz estar calma.

- Bom dia Didi. Axé! - falei, com nó na garganta.

- Que foi? Está tudo bem? - me perguntou preocupada - Que voz é essa?

- Está tudo bem, Didi- respondi emocionada - Estou com pressa e preciso ser breve.

- Diga!!!

- Por favor, não saia de casa hoje, nem atenda a porta, nem receba nenhuma encomenda.

- Nossa! Por quê? Estava saindo pra ir à feira e depois..

- Didi! - a interrompi - Por favor! Estou sem tempo de explicar agora. Apenas obedece.

- Ai Laura, você e essa sua mania de dominar e controlar todo mundo. Eu não sou do grupo dos controlados não, esqueceu?

- Didi! Por favor - supliquei com mais ênfase - É sério. Só obedece. Saindo da entrevista te ligo e explico, ok?

- Ok! - respondeu brava - Virarei sua prisioneira.

- Te amo também, Didi - mandei um beijo na ligação e desliguei um pouco aliviada.

Entreguei o celular para o Tom e sorri, com os olhos marejados.

- Enquanto eu entro lá e faço o melhor que posso, por favor, avise o pessoal da segurança para intensificar a guarda na região da casa dela, e avise ao inspetor Carlos. 

- Considere feito! - me respondeu prontamente - Vai dar tudo certo.

Encarei as portas com fechamento corta incêndio. Suspirei profundo, fechei os olhos e as abri, com a minha melhor versão incorporada. Cabeça erguida, peito estufado, passos firmes, sorriso no rosto e atitude no olhar. Querem ver e ouvir a super Laura Veigas? Aqui estou. A luz que me guia é bem mais forte do que os olhos que me cercam.

--x-- 

Duas horas depois de responder inúmeros questionamentos a respeito da minha vida profissional e pessoal, até então super reservada e uma seção de fotos a ser disponibilizada para a imprensa, deixei a sala exausta, faminta e saudosa da minha Alice.

Mal podia prever a avalanche de informações e acontecimentos que enfrentaria.

Na porta, com expressão nada promissora estava meu fiel escudeiro Tom e o inspetor Carlos. Gelei.

Imediatamente pensei na Didi e minhas pernas bambearam. Com nó na garganta e a língua meio dormente perguntei sem rodeio:

- Falem logo o que é. Não suporto mais um segundo de agonia. 

Tom meneou a cabeça e ficou cabisbaixo. Sr Carlos me olhou profundamente e seu olhar me atravessou a alma. O silêncio soou mais alto do que todas as vozes e sons audíveis.


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