Decepção

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Alice

A mulher mais forte e indomável que já tive o prazer de conhecer chegou e se derreteu em meus frágeis braços. Não pude conceber o quanto esse dia lhe fora difícil para que ela se encontrasse nesse estado. Era possível ver materializado em seu olhar e tensão dos ombros que, o que enfrentou, foi deveras pesado.

A angústia que sentia por sua espera para lhe contar o que lembrei, se tornou milhões de vezes maior. Na ausência de palavras e de coragem, só consegui oferecer-lhe afago e carinho.

Em meu colo adormecido, sua cabeça se deitava e suas lágrimas molhavam o tecido que cobria minhas pernas. Tentei decifrar seu choro, que aparentava transbordar-se de mágoa e tristeza com um tremor profundo assemelhando-se à raiva. Laura chorava e tremia com uma intensidade assustadora.

Aparentemente após cessar o estoque de lágrimas represado, ainda em meu colo, suspirou profundo e secou seu o rosto com as mãos, levantou seu olhar de encontro ao meu e silenciosamente, enquanto uma lágrima insistia em rolar pela sua linda face, seus lábios inchados pelo choro se abriram e ela sussurrou:

- Estou em cacos! - apertou os olhos e as lágrimas escorriam - Daria tudo o que tenho em troca de não viver esse momento.

Eu ainda não tinha dimensão do que ela falara. Pensei que nada poderia ser pior do que eu ainda teria que lhe contar. Engoli em seco junto com minha consciência que de repente passou a pesar toneladas. Acariciei seu rosto e ela continuou:

- Achei que depois de quase perder você, nada mais poderia me abalar, mas - fechava os olhos e tentava conter o choro, engolindo amargamente - hoje foi um dos piores dias da minha vida.

- O que aconteceu, meu amor? - perguntei já sem poder esperar por saber.

Ela então levantou-se em silêncio e caminhou em direção ao bar, pegou uma garrafa de Royal Salute, retirou a tampa da imponente garrafa de porcelana inglesa em azul safira e contrariando todas as regras de etiqueta que a referida bebida impõe, tomou alguns fartos goles no próprio gargalo.

- Quer mesmo saber o que aconteceu? - me perguntou e agora sua voz não era mais embargada pelo choro, mas sim por um ímpeto furor.

- Sim, por favor! - respondi observando virar novamente a garrafa do whisky e me espantar com sua capacidade de sequer estranhar o calor da bebida.

- Aconteceu, meu amor - caminhou em minha direção segurando a garrafa na mão e o tintilar do salto ecoava pela sala - que hoje eu tive a infeliz resposta do porquê de tantos acontecimentos negativos na nossa vida.

Confesso que por essa resposta eu não esperava! Me espantei ao mesmo tempo em que fiquei no fundo aliviada.

- E qual é essa resposta? - insisti e tentei tirar-lhe a garrafa das mãos, em vão, pois ela se esquivou e saiu andando, à medida que tirava os sapatos Louboutin e os deixava espalhados pela sala.

- Pensa comigo, qual seria o maior dos absurdos que poderia me acontecer? - perguntava como quem perguntava a si mesma - Parece um complô da vida contra mim - falava e bebia - Ainda vai um tempo para me acostumar com isso!

- Me diga logo, Laura - falei afoita em saber o que se passara, sentindo meu peito se fechar ao lembrar do que ainda teria que lhe contar.

Ela se sentou na poltrona ao lado do violoncelo, tomou mais um farto gole de Salute e com o olhar triste, fitando o instrumento símbolo de sua inviolável união com seu pai balbuciou quase que inaudível:

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