Retomada

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Laura

Acordo envolta numa sensação que me preenche as narinas com um cheiro doce misturado ao aroma do café recém passado. O cansaço de meses impregnado na alma, me faz esquecer por um milésimo de segundos onde estou. Olho ao redor tentando reconhecer o ambiente, ainda novo para a memória. A mobília de madeira cerejeira contrasta com a decoração branco e cinza das cortinas e roupa de cama e me enche os olhos de bom gosto, me recobrando em instantes que se trata do meu novo quarto. Tateio o espaço ao meu lado na cama king à procura do doce corpóreo da minha amada e tudo que encontro é o vazio deixado por sua presença. De súbito me sento na cama, assustada com sua ausência:

- Aliceee!! - chamo-a com desespero.

Mal calço os chinelos deixados sob o tapete lateral e saio do quarto, repetindo seu nome em agonia. O coração acelerado me remete à sensação de perdê-la outra vez. Ouço o tintilar de talheres vindo da cozinha e atravesso o curto corredor de acesso aos cômodos com o coração disparado. Meu corpo já não aguenta mais enfrentar a possibilidade de perdê-la outra vez. As pernas parecem não ter forças para chegar até o beiral da porta da cozinha. Assim que me encosto na porta, a sensação outrora desesperada dá lugar à ternura de vê-la feliz, ouvindo música num fone de ouvido e preparando cuidadosamente a mesa.

Ela se mostra bem familiarizada à sua cadeira de rodas, deslizando de um lado para outro com facilidade, pegando os ítens no armário e bancada e os dispondo sobre a mesa. Ao me ver, abriu seu melhor sorriso junto com os braços, convidando-me para um abraço. Não titubei. Corri ao seu encontro. Sentei-me em seu colo e me entreguei ao seu abraço que me preenche todos os espaços.

- Bom dia, bela adormecida - falou ao cheirar meu pescoço.

- Bom dia meu amor! - respondi com dengo e sono - Acordou cedo hoje?!

- Sim! Como hoje você volta a trabalhar, quis fazer uma surpresa - me beijou o rosto - Dispensei a chef pela manhã e preparei nosso café.

- Mas essa Alice está ficando demais viu - sorri e a beijei no rosto - Vou lavar o rosto e já volto!!

A deixei, a contragosto e após fazer minha higiene matinal, voltei apressada para a cozinha onde ela me esperava já à mesa. A beijei carinhosamente e me sentei à sua frente, cheia de orgulho e admiração.

- Então, senhorita Veigas, o que deseja? - perguntou estendo as mãos pela mesa.

- Café, por favor, senhorita Stromps - pisquei e sorri.

Ela prontamente serviu uma xícara de café e me entregou.

- Forte e sem açúcar, do jeito que gosta!

- Obrigada - acenei com a cabeça e sem desviar os olhos dos dela provei o sabor do líquido quente e confortante.

- Aprovado? - me olhava com ansiedade, aguardando aprovação.

- Aprovadíssimo! Está contratada.

- Ufa! - sorriu e me piscou, tomando também um pouco do café auto servido.

- Por que não me chamou para te ajudar? - perguntei, me servindo dos pães.

- Porque não preciso de ajuda, meu amor - me olhou fixamente - Sou perfeitamente capaz de sair da cama sozinha, me trocar e preparar um café para nós.

- Que ótimo! Fico muito feliz com isso.

- Também fico feliz. Viver na penumbra do que um dia eu já fui, não me levará a lugar algum. Resolvi me aceitar e viver da melhor forma. Para a tristeza de alguns - deu de ombros e sorriu - Não morri. Portanto, vou fazer o melhor que posso de agora em diante.

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