LI.

1.2K 146 41
                                    


DENER SHAW
48 ANOS ANTES.

    Respiro fundo. É inacreditável.
    — Sinto muito, Sr. Shaw, mas eu preciso ir. — Ele se levanta.
    — Claro, claro. Muito obrigado, Charles.
    Levanto-me e estendo minha mão. Ele a aperta e pega seu chapéu do balcão.
    Acenamos com nossas cabeças em despedida.
    O vejo ir embora.
    O vejo ir embora e levar meu casamento em seu bolso.
    Meu casamento foi dobrado por cinco vezes e jogado no fundo de um armário empoeirado.
    Algo que demorou anos para ser construído foi destruído em menos de 1 dia. Através de fotos.
    Viro-me para o balcão do bar novamente.
    "Eu te amo, querido."
    "Eu também te amo, meu amor."
    Mentiras. Mentiras. Mentiras.
    Mentiras. Mentiras. Mentiras.
    Mentiras. Mentiras. Mentiras.
    Mentiras. Mentiras. Mentiras.
    Mentiras. Mentiras. Mentiras.
    Mentiras. Mentiras. Mentiras.
    Me sento em um dos altos bancos.
    Pego as fotos. Nelas, há Martha beijando outro homem. Um homem desconhecido.
    Em um dos braços do homem, ele segura uma criança. Um garoto.
    Por quê?
    POR QUÊ?
    MARTHA, MARTHA, MARTHA.
    MARTHA, MARTHA, MARTHA.
    MARTHA, MARTHA, MARTHA.
    MARTHA, MARTHA, MARTHA.
    MARTHA, MARTHA, MARTHA.
    MARTHA, MARTHA, MARTHA.
    Sempre dei a ela tudo o que tinha.
    Sempre fiz para ela tudo o que queria.
    Sempre comprei para ela tudo o que desejou.
    Dei a ela uma linda filha. E para quê?
    — Cavalheiro, você possui um telefone? Preciso ligar para minha casa.
    — Ah, meu senhor... Eu não tenho telefones no meu bar, mas há um na loja da frente. — Ele aponta para um estabelecimento do outro lado da rua.
    — Tudo bem, muito obrigado. — Deixo  dinheiro suficiente para pagar por minhas bebidas e as de Charles.
    Junto as fotos e as coloco em minha maleta.
    Pego meu chapéu preto e caminho para fora do bar. O coloco em minha cabeça.
    Respiro fundo novamente.
    Sinto todos os meus ossos se quebrando e meus órgãos se rompendo.
    Martha, meu amor...
    Nem sequer a trato mal.
    Nunca a bati tanto.
    Pelo jeito que ela age, se fosse minha mãe, seria espancada por meu pai.
    Nunca a tratei tão mal.
    Lhe dei tudo.
    Tudo.
    Os tremores em minhas mãos me fazem arrepiar.
    Pessoas passam por mim e me olham de um jeito estranho. Suponho que o cheiro de álcool esteja forte.
    Pego meu charuto e o acendo.
    Olho para os dois lados da rua antes de atravessá-la.
    Assim que chego lá, entro na loja.
    — Boa tarde, senhor. Como posso ajudar? — Uma atendente pergunta.
    Bufo. Sou incapaz de olhar para a cor de sua pele.
    — Eu gostaria de usar um telefone. Preciso fazer uma chamada importante.
    — Claro. Há dois na mesa do corredor. Siga reto e vire à esquerda. — Ela aponta, sorrindo.
    — Obrigado. — Passo por ela, consigo finalmente soltar o ar preso em meus pulmões.
    Caminho até o lugar e então avisto um telefone.
    Ando até ele e o tiro dos ganchos.
    Disco o número de meu irmão.
    Demora alguns minutos até ele atender.
    — Alô? Malcolm Shaw? — Chamo.
    — Alô? Ele mesmo. — Ele confirma.
    — É o seu irmão, Dener. Preciso de sua ajuda.

  

   
    Estamos os observando há meses.
    Aquela criança continua crescendo.
    Aquela criança que foi fruto da maior traição em nossa família.
    Martha me traiu enquanto ainda namorávamos.
    Ela morava longe de mim. Sua barriga cresceu sem eu saber.
    O meu amor sabia de meus casos, mas nunca me deixou. Ela precisava de meu dinheiro, e eu sabia disso.
   
    Hoje é o dia 13 de junho de 1930.
    Essa criança acaba de completar 3 anos.
    Três anos de pura mentira.
    Corine completou 1 ano há 5 semanas.
    Não posso permitir que Martha estrague nossa família.
    Nossa tão linda família.
    Não posso permitir que Martha arruine a vida de nossa filha.
    Nossa tão amada filha.
    Não posso permitir.

𝐁𝐄𝐋𝐈𝐄𝐕𝐄 𝐔𝐒, Vance HopperOnde histórias criam vida. Descubra agora