LIII.

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Mᴀʀʏᴀɴɴ Bʟᴀᴋᴇ nunca se pegou imaginando como seria sua vida.
 
    Após sua morte, nunca se pegou pensando como seria sua família.
    O triste era que Mary demorou cerca de 1 semana para se lembrar de como o seu rosto era.
    Tudo era diferente.
    O calor que ela sentia ao ficar perto de Vance a fazia feliz.
    O calor que ela sente ao ficar perto de Vance é estranho. Não é um calor de verdade. Não existe calor após a morte.
    É impossível descrever o sentimento de estar morto. Mary tentou, já morreu milhares de vezes. Aquele sentimento perturbador e vazio...
    Seu corpo é físico apenas com outros fantasmas. Ela consegue tocar Vance, consegue senti-lo, mas não consegue sentir o garoto novo.
    Mary e Griffin são os únicos que obrigam seus pulmões a funcionarem.
    Gostam da sensação do ar fugindo de seus pulmões quando ficam nervosos.
    Gostam da sensação de estarem vivos.
    Essa sensação é rara, quase inexistente.
    Mary gosta de como Vance tira seu ar, mesmo que a perda não seja genuína.

    Vance insiste em se manter perto de Mary. Tem certeza de que ela também se lembra.
    Quando o loiro ouviu seu nome, imediatamente se lembrou de Mary. Era impossível não lembrar.
    Mary fazia parte de tudo o que Vance era.
    Certa vez, Vance descreveu ser namorado de Mary como um traço de personalidade. É irônico pensar que ela não faz ideia de quem ele é.

    Mary tentava se lembrar.
    Tentava muito.
    A negação a impede de se lembrar. Os traumas que ela sofreu em vida a protegem de suas memórias.
    Não fazia ideia de como, mas seu coração batia lentamente, fraco. Por alguns dias, ela pensou que talvez estivesse viva. Mas não estava.
    Mesmo após quase seis meses, seu corpo se lembrava de como era estar realmente funcionando.
    As engrenagens de seu corpo estavam velhas, funcionando mais lentamente a cada momento, até que em alguma hora, pararão de funcionar.
    Mary fez de tudo pelo amor, mas não podia lutar contra a morte. Aquilo era muito maior que ela.
    A cada minuto que passava naquele porão, a morte a consumia mais.
    A morte estava tomando conta de seu corpo, a possuindo.
    Estava se aproveitando de sua bondade e a transformando em tortura, em vingança.
   
    Mary não fica no porão durante o dia todo.
    Não consegue olhar para Finney por tempo demais.
    Não sabe quem ele é, mas sabe que ele é familiar. Sua aparência. Seus olhos, seu cabelo, seu jeito, sua voz.
    Durante alguns dias, Finney pegou no sono enquanto repetia cinco nomes várias vezes: Corine, Mary, Gwen, Robin, Vance.
    Temia esquecer os nomes.
    Escutar seu nome repetidas vezes deixava Mary cada vez mais confusa, irritada.
    Ele tentava pensar em todos que conhecia. Pensou até no ruivo que o esmurrava nas ruas.
    Finney temia esquecer das pessoas que amava.
    M̶a̶r̶y̶.
    V̶a̶n̶c̶e̶.
    Gwen.
    Robin.
    Seriam os 5 para sempre.

    A voz de Robin soava distante em sua cabeça. Estava começando a esquecê-la.
    Pensar em Robin era inevitável.
    Era inevitável pensar em suas piadas.
    Em sua risada, em seu sorriso.
    Em seus olhos. Ah, seus olhos.
    Finney nunca havia pensado em Robin como alguém que poderia se tornar algo a mais que um amigo.
    Robin sempre foi seu melhor amigo.
    Seu irmão.
    As paredes frias e sólidas estão interferindo em seus pensamentos.
    Estão comprimindo seus pensamentos e memórias em um só.
    Robin.
   
    Era inevitável pensar em seus l̶á̶b̶i̶o̶s olhos.
    O loiro se encolheu na cama e abraçou seus braços.
    — Robin. — O nome fugiu de sua mente e passou por seus lábios sem que Finney percebesse. Todos ouviram.
    Mary se agachou ao seu lado.
    Bruce se lembrou de algo que Mary não lembrou.
    A garota não sabia de muitas coisas, não se lembrava de muitas coisas, mas se lembrava de sua morte, se lembrava de ter sonhado com ela.
    Se lembra de acordar da morte e ser recebida por Vance, por seu abraço e amor.
    Se lembra de como sentiu sua vida se esvaindo. A deixando como uma dor incessante que desaparece assim que você adormece.
    Se lembra de sentir o amor de Vance morrer aos poucos junto de seu coração. Ele o congelou.
    Congelou seu amor.
    Estava disposto a se entregar a Mary assim que ela se lembrasse.
    Estava disposto a amá-la a qualquer momento, mas ele precisava se lembrar de tudo. Se lembrou de algumas coisas, pequenas coisas.

    Se lembrou de como era passar horas, dias e semanas ao seu lado.
    Se lembrou de como era cuidar de Gwen e Finney como se fossem seus filhos.
    Se lembrou de como era defender Mary de seu pai quando ele a agredia.
    Se lembrou de como era dançar com a garota, sentir os dedos dela entrelaçados aos seus.
    Se lembrou de como era beijar seus lábios, mesmo que não quisesse.
    As lembranças de seus lábios em seu corpo queimavam todos os seus outros pensamentos.
    Era incapaz de pensar em outra coisa.
    Vance torcia todos os dias para que ela atravessasse logo a barreira da negação. Não tocaria em um fio de cabelo de Mary enquanto ela não se lembrasse.
  
    Como se se lembrar fosse algo fácil.
    Não é.
   
    É aquele velho sentimento de estar conversando e esquecer uma palavra. Mas agora, não é apenas uma palavra. Essa palavra é o seu nome, e as sílabas que o compõem são a sua vida.
    Se lembrar não é fácil, e não importa o quanto você tente, não vai se lembrar.
    Não importa o quão você ame as pessoas que realmente fazem parte de sua vida, você não vai se lembrar.
    Você não vai se lembrar.
    Você não vai se lembrar.
    VOCÊ NÃO VAI SE LEMBRAR.
    VOCÊ NÃO VAI SE LEMBRAR.
    VOCÊ NÃO VAI SE LEMBRAR.
    VOCÊ NÃO VAI SE LEMBRAR.
    VOCÊ NÃO VAI SE LEMBRAR.
    VOCÊ NÃO VAI SE LEMBRAR.
    VOCÊ NÃO VAI SE LEMBRAR.
    VOCÊ NÃO VAI SE LEMBRAR.
    VOCÊ NÃO VAI SE LEMBRAR.
    VOCÊ NÃO VAI SE LEMBRAR.
 
    Não é fácil lidar com a morte.
    Não é fácil, mesmo que ela se pareça com uma velha amiga.
    A morte sempre está lhe esperando.
    Sempre está ao seu redor.
    Primeiro, conhecidos dos seus pais. A idade chega para todos nós.
    Depois, seus pais.
    Depois, você.
    É sempre assim.
    D̶e̶v̶e̶r̶i̶a̶ s̶e̶r̶ a̶s̶s̶i̶m̶?

    Pais não deveriam morrer enquanto seus filhos são pequenos, certo, Albert?
    Filhos não devem morrer antes que seus pais.
    Terrance se culparia para sempre.
    Poderia ser o pior pai do mundo, mas sempre amaria Mary.
    Alguém que te ama não faria isso.
   
    Os pais de Vance pioravam a cada minuto.
    Sua mãe bebe cada vez mais.
    O álcool sobe de seus pés até sua cabeça e afoga suas memórias com sua acidez e amargura.
    As bebidas que queimavam sua garganta agora queimam as lembranças de seu amado filho.
    O pai de Vance nunca foi tão presente em sua vida.
    Estava lá presencialmente, mas não emocionalmente. Como Terrance.
    Estava sempre trabalhando. Nunca estava em casa.
    De 7 apresentações de Dia dos Pais, só havia comparecido à 3 delas.
    Nem isso Terrance fez.
    Mary e Vance não tiveram bons pais. Apenas mães.
    Elas os amavam.
    Mary morreu depois de sua mãe.
    Vance morreu antes de sua mãe.
   
    A morte é como uma falsa amiga.
    Está sempre lhe observando, para que no momento em que você caia, ela tire proveito de você.
    Nesses casos, a morte está tirando proveito de suas vidas.
    Quando poderiam tirar proveito da morte?
    Logo.



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                        Explicação.

    Gente, vou passar rapidinho aqui só para explicar uma coisa do capítulo anterior que está me incomodando.
    Como vocês leram nesse capítulo, os fantasmas podem sim respirar.
    Se eles não pudessem respirar, eu não descreveria que a Mary perdeu o ar no capítulo passado.
    Eles respiram e podem tocar nas pessoas já mortas.
    Eles podem obrigar seus pulmões a funcionarem, porque eles não precisam respirar.
    Como eles morreram, o corpo deles continua do mesmo jeito que estava na hora da morte.  Nem os pulmões da Mary e nem do Griffin foram atingidos, então eles podem respirar tranquilamente, mesmo não precisando.
    Enfim, só queria explicar isso porque tem algumas pessoas que não entenderam. :)
   

𝐁𝐄𝐋𝐈𝐄𝐕𝐄 𝐔𝐒, Vance HopperOnde histórias criam vida. Descubra agora