LXVII.

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    BRUCE YAMADA.

    Não me lembro da última vez que falei com meus pais. Sinceramente, estou começando a me esquecer de suas vozes. Isso me assusta.
    Quando vi minha irmã pela última vez, estávamos brigados.
    Eu estudava toda hora e quando não estava estudando, estava praticando baseball. Não havia tempo para brincar com ela.
    Meus pais jamais aceitariam uma nota 7. Sempre tive que ganhar todos os jogos de baseball, se eu não ganhasse, não podia ver meus amigos.
    Eles não eram assim quando eu era pequeno. Acho que aproveitaram o meu amor pelo baseball para ter o filho exemplar. Se eu quisesse jogar baseball, teria que ser o melhor nisso. Um segundo lugar jamais será uma vitória.
    Eu ganhei meu último jogo, mas nunca tive a chance de contar aos meus pais. Não tive a chance de ver seus olhares orgulhosos.
    Não pude olhar para eles e ter certeza de que estavam pensando: ainda bem que eu o motivei a jogar baseball.
    Como se o crédito fosse deles. Não é. Eu pratiquei por anos, e enfim ganhei. O crédito é meu, todo meu.
    Minha irmã não aguentava mais me ver usando um taco para jogar uma bola para longe. Sua feição era de total desprezo quando eu mencionava o esporte.
    Eu a entendo. Também não a aguentaria falando sobre vôlei durante 10h do meu dia.
    Ela não me entende. Joga vôlei porque gosta, é o que faz quando não há outra coisa para fazer. Eu não jogo baseball para me distrair, eu jogo para vencer. Costumava ser divertido no começo, mas se tornou uma obrigação.
    Eu espero que você esteja orgulhoso de mim, pai.
    Ainda me lembro do dia 7 de janeiro como se fossem ontem. O dia em que o inferno em minha vida se tornou real.
    Ele não vem me ver todos os dias, há dias em que ele simplesmente me deixa morrendo de fome.
    O homem não usa sempre as mesmas máscaras. Acho que ele as muda de acordo com seu humor. Sempre que ele usa a máscara que não possui boca, está mais irritado. Não sei quando eu decorei o seu jeito de fala.
    Ele abriu a porta e colocou um prato de comida no chão.
    — Eu... Te trouxe comida.
    — Depois de dois dias. — Completo, agarrado às minhas próprias pernas, encolhido no colchão.
    — Eu tive uns problemas, mas já está tudo melhor.
    — Era a polícia? Minha família? Quem era?
    — Ah, não era nenhum deles... — Ele se encostou no batente da porta, a voz desanimada. — Eles não estão atrás de você, Bruce.
    — Não... Não, não. Eles estão procurando por mim! Sei que estão. — Insisto, me aproximando mais, porém ainda sentado no colchão.
    — Sabe, é? Você os viu procurar por você?
    Não sei responder.
    — Já se esqueceram você.
    — Você está mentindo.
    — Pararam de procurar por você há dias.
    — Você está mentindo! — Digo, tentando me convencer de que não me tornei uma memória.
    — Você se tornou apenas uma lembrança, Bruce.
    — Você está mentindo! — Grito, a voz trêmula, lágrimas escorrendo pelo meu rosto.
    — Estou? — Questiona, a voz incerta. — Você nunca vai saber. — Ele ri, irônico. — Tchau, Bruce.
    Ele se vira de costas e fecha a pesada porta de metal.
    — Desgraçado! — Vocifero, colocando as mãos na cabeça e escondendo meu rosto entre meus joelhos.

ELE ESTÁ MENTINDO.
ELES ESTÃO PROCURANDO POR MIM.
ELE ESTÁ MENTINDO.
ELES ESTÃO PROCURANDO POR MIM.
ELE ESTÁ MENTINDO.
ELES ESTÃO PROCURANDO POR MIM.
ELE ESTÁ MENTINDO.
ELES ESTÃO PROCURANDO POR MIM.
ELE ESTÁ MENTINDO.
ELES ESTÃO PROCURANDO POR MIM.
ELE ESTÁ MENTINDO.
ELES ESTÃO PROCURANDO POR MIM.

    Eu sei que estão procurando por mim.
    E̶s̶t̶ã̶o̶ p̶r̶o̶c̶u̶r̶a̶n̶d̶o̶ p̶o̶r̶ m̶i̶m̶?
    E̶s̶t̶ã̶o̶ p̶r̶o̶c̶u̶r̶a̶n̶d̶o̶ p̶o̶r̶ m̶i̶m̶?
    Eu sei que vou voltar para casa.
    V̶o̶u̶ v̶o̶l̶t̶a̶r̶ p̶a̶r̶a̶ c̶a̶s̶a̶?
    V̶o̶u̶ v̶o̶l̶t̶a̶r̶ p̶a̶r̶a̶ c̶a̶s̶a̶?
    Vou brincar com minha irmã.
    N̶u̶n̶c̶a̶ m̶a̶i̶s̶ i̶r̶e̶i̶ v̶ê̶-l̶a̶ n̶o̶v̶a̶m̶e̶n̶t̶e̶.
    É um dos piores sentimentos que já senti, a pior coisa que já vivi.
    Não sei se minha mãe está bem.
    Não sei se meu pai está bem.
    Não sei minha irmã está bem.
    Não sei se meus amigos estão bem.
    Finney está bem? Eu não sei.
    Nunca saberei.
    E̶l̶e̶ e̶s̶t̶á̶ b̶e̶m̶.
    Nunca mais.
    Acho que pensar que todos estão bem me faz sentir bem. Bom, é isso que me mantém são.
   
    Estive pensando demais. Estive pensando demais em como sair daqui.
    Estive pensando demais em como sobreviver.
    Estive construindo esse plano há alguns dias e quando ele abre a porta, eu o coloco em ação.
    Estou atrás dele, em minhas mãos, carrego uma barra de metal que retirei de debaixo do colchão há uns dois dias. A mantive escondida.
    Ele dá um passo para a frente e não demora a notar minha sombra se formando perto à sua.
    O mascarado se vira, mas já estou colocando a barra contra seu pescoço.
    Com o pedaço de metal em mãos, o empurro para o chão, caindo em cima do mesmo.
    Forço a barra contra seu pescoço, consumido pelo ódio e esperança.
    Seus olhos estão arregalados e seu rosto começa a ficar vermelho. Ele estica suas mãos até meu rosto, mas isso não me impede de continuar o sufocando.
    Estive cavando um buraco no corredor, mas ainda falta muita terra para cavar e eu não tenho tempo.
    Um de seus dedos entra em meu globo ocular, o fazendo arder. Levo uma de minhas mãos até o olho, gritando de dor.
    Assim que me observa perder o apoio, nos gira, ficando por cima de mim. A barra de metal é colocada contra o meu pescoço.
    A pressão do objeto contra o meu corpo é maior que eu jamais pudesse descrever.
    Sinto o ar me deixando aos poucos e então estou desesperado. O medo da morte é maior que qualquer pensamento aflito.
    Juntando minhas forças, dou um soco em seu abdômen, ele geme de dor, mas parece não sentir nada.
    Juntando minhas forças, dou uma joelhada no meio de suas pernas, ele cai ao meu lado.
    Uma faca que estava presa ao seu cinto é jogada para longe, decido rastejar até ela.
    Olho para trás, ele está se ajoelhando, levantando.
    Começo a me levantar e consigo segurar a faca em minhas mãos, então me viro para trás. Estou em pé, os joelhos levemente dobrados e a faca próxima à minha barriga.
    Ele está parado a minha frente. Há algo diferente nele. Há ódio em seu olhar e um tremor furioso em suas mãos.
    Antes que eu possa reagir, ele levanta a barra e me atinge na cabeça.
    Meus joelhos cedem. Ajoelho-me enquanto a dor agonizante se espalha pelo meu corpo.
    Meus olhos estão se revirando sem eu querer que eles façam isso.
    Caio de lado, deitado no chão.
    A faca que eu segurava perto de minha barriga, a corta, junto de minha camisa.
    Outra dor agonizante para minha coleção de dores agonizantes.
    Olho para ele. O homem segura a barra de metal, que logo escorrega de suas mãos e cai no chão, fazendo o meu sangue acumulado na ponta do objeto respingar em meu rosto.
    — P-Por... Por fa... — Falar é quase impossível.
    Ele sai de perto de mim enquanto eu engasgo com minha língua.
    Sangue escorre por meu olho e depois pelo meu peito.
    Estou chorando sem nem perceber.
    ESTÁ DOENDO, POR FAVOR.
    ESTÁ DOENDO, POR FAVOR.
    ESTÁ DOENDO, POR FAVOR.
    ESTÁ DOENDO, POR FAVOR.
    ESTÁ DOENDO, POR FAVOR.
    ESTÁ DOENDO, POR FAVOR.
    ESTÁ DOENDO, POR FAVOR.
    ESTÁ DOENDO, POR FAVOR.
    ESTÁ DOENDO, POR FAVOR.
    ESTÁ DOENDO, POR FAVOR.
    ESTÁ DOENDO, POR FAVOR.
    ESTÁ DOENDO, POR FAVOR.
    Por favor.
   
    Meu rosto está colado no chão frio enquanto meu sangue escorre pelo chão.
    Vejo a saliva saindo de minha boca e encontrando o chão.
    Eu só queria deixar meus pais orgulhosos.
    Eu espero que quem contou a eles que eu desapareci, tenha contado a eles que ganhei o jogo.
    Mãe, pai, eu espero que vocês saibam que eu estava tentando. E para minha irmã, eu te amo.

𝐁𝐄𝐋𝐈𝐄𝐕𝐄 𝐔𝐒, Vance HopperOnde histórias criam vida. Descubra agora