LIV.

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Nᴀ ᴄᴀsᴀ ᴅᴏs Bʟᴀᴋᴇs, Terrance sentia o arrependimento e a culpa puxar seus pés.

    Fazia tempo desde que Gwen foi para a casa dos Arellanos. Logo chegaria, pois Robin dormiria em sua casa.
    Terrance não havia bebido uma gota de álcool naquele dia.
    Estava começando a passar mal. Havia limpado e arrumado toda a sua casa. Não comeu nada o dia inteiro.
    Não queria admitir, mas estava se punindo.
    Estava se punindo por bater em sua esposa.
    Estava se punindo por bater em seus filhos.
    Estava se punindo por ter um vício em bebidas.
    Estava se punindo por se culpar pelo desaparecimento de Mary e Finney.
    Estava se punindo, mas jamais admitiria.

    Minutos antes dos dois chegarem, ele tomou um longo banho.
    Cortou seu cabelo e fez sua barba, sem a deixar baixa.
    Escolheu uma camisa branca e uma calça (jeans) azul.
    Caminhou até a sua cozinha e fez ovos mexidos e bacons.
    Colocou suco de laranja em um copo e se sentou à mesa para comer.
    A solidão era insuportável.
    A cada dia sua casa ficava mais vazia.
    Chegaria um momento em que não sobraria nenhum.
   
    Quando percebeu o prato vazio, notou estar satisfeito. Levantou-se e colocou o que usou na pia, aproveitou sua disposição para lavar a louça.
    Terrance sentiu um arrepio percorrer seu corpo enquanto assistia a sua velha televisão. Ventos frios o atingiam com tudo.
    Ele saiu da sala e caminhou até seu quarto.
    Abriu seu armário e esticou sua mão para pegar um moletom.
    Ao invés de pegar um moletom seu, sem querer, puxou um de sua falecida esposa.
    O perfume que havia espirrado nele há algumas horas — para que o moletom jamais perdesse seu cheiro — fez suas pernas estremecerem.
    O cheiro doce e suave o obrigou a tirar o moletom do cabide. Ele o puxou para perto e o abraçou.
    O abraçou desejando que fosse sua esposa no lugar do objeto.
    O abraçou desejando que ela voltasse.
    O abraçou desejando uma segunda chance.
    O abraçou desejando seu perdão.
    Se ela voltasse e o deixasse não haveria problema. Ele queria que ela fosse feliz, mas acima de tudo, queria seu perdão.
    Agora era tarde demais.
    Não pediu perdão enquanto ela estava ao seu lado.
    Nunca mais poderia pedir perdão.
   
    Ele caminhou até a sala e se sentou no sofá, haviam lágrimas em seus olhos.
    Terrance se virou para a televisão. Nela, passava a cena de um casamento em um filme.
    "Até que a morte os separe."
    E separou.
    Separou-os.
    Separou-os para sempre.

    Ele usou o controle para desligá-la.
    Apoiou-se em seus joelhos e escondeu seu rosto no moletom, entre suas pernas.
    Estava tão desnorteado por seus pensamentos e sentimentos e lágrimas e soluços que não ouviu a porta ser destrancada e aberta.
    Gwen e Robin entraram na casa, confusos. Ela não cheirava a cigarros e muito menos a álcool.
    — Corine... Mary... — Murmurava choroso, balançando-se para frente e para trás.
    — Papai? — Chamou alguém.
    Ele levantou seu olhar, Gwen estava parada a cinco metros do mesmo.
    Os olhinhos lacrimejando e as mãos tremendo.
    — Gwen, minha filha, venha aqui, por favor. — Ele a chamou.
    A garota obedeceu, assustada.
    Assim que ela se sentou no sofá, ele se afastou, se ajoelhando a sua frente.
    Gwen se surpreendeu ao não sentir o fortíssimo odor de álcool.
    — Preciso falar com você.
    — Hm... Eu vou ficar no quarto do Finney. — Diz Robin, se afastando.
    — Não, pode ficar. Eu não... Eu não me incomodo.
    Gwen olhou para Robin, implorando para que ele ficasse.
    Ele colocou seus pés ao chão e não se moveu novamente.
    — Eu quero falar com você antes que seja tarde.
    — Tarde... ?
    — Gwen, eu estive pensando... Pensando muito. Eu percebi o quão ruim eu sou.
    A cabeça da menina funcionava a mil, mas agora, começara a falhar.
    Ela não respondeu. Tinha medo de concordar, então apenas apertou seus lábios em uma linha.
    — Sabe, desde que sua mãe morreu, eu me senti sozinho. Estávamos juntos a anos, muitos anos. E de repente, isso foi tirado de nós. Nosso amor foi levado, Gwen. Vocês eram novos demais para entender e eu despreparado demais para explicar. Mary foi a única que compreendeu, mas eu acho que ela entrou em algum tipo de depressão. Ela se fechou em seu mundo e destruiu a si mesma. — Ele fez uma pausa para respirar. — Sem perceber, eu fiz o mesmo. O álcool me destruiu, meu bem. E eu sinto muito.
    — Pai, eu...
    — Espere, eu não terminei... Gwen, eu sei que sou o pior pai do mundo, eu sei que não mereço seu perdão, mas eu imploro. Por favor, perdoe-me.
    — Essa merda é embaraçosa. — Ela murmurou.
    — O quê? Gwen...
    — Você nos tornou miserável, Terrance. — Ela o chamou pelo nome.
    Ela o chamou.
    Pelo nome.
    Ela o chamou pelo nome.
    Ela o chamou por seu nome. Terrance.
    — O que quer dizer com isso, minha filha?
    — Você sempre conversa com a gente cheirando a álcool. Dirige embriagado e nos assusta para caralho! — Ela vociferou, se levantando. — Você sempre foi nosso ídolo, e tudo o que faz nos deixa muito triste. Não tente fazer com que eu me sinta mal. Pais não deveriam precisar implorar pelo perdão de seus filhos. Não deveriam machucá-los!
    — Gwen, por favor.
    — Eu nunca, jamais, trataria meus filhos assim.
    — Perdoe-me... — Murmurou ele, consumido pelas lágrimas.
    — Você arruinou todas as nossas memórias boas por causa do seu vício. Transformou todas elas em suas memórias e nos apagou delas como se nunca tivéssemos existido! — Ela se virou para trás, indo na direção do quarto de Finney.
    — Gwen... — Terrance se aproximou, tocando em seu ombro. — Gwen, por favor.
    — Só me deixa em paz, porra! — Gritou, batendo sua mão na própria perna, o nariz começando a escorrer.
    Terrance se afastou, assustado.
    Os papéis haviam sido roubados e invertidos.
    A garota sentiu-se prestes a chorar. Encolheu seu corpo, abraçando a si mesma.
    Robin a envolveu em seus braços e a puxou para longe.
    Antes que pudessem entrar no quarto, ela se virou. Lágrimas escorriam por seu rosto.
    — Eu te amo, mas eu nunca vou te perdoar.

    A morte de alguém pode destruir quem sobreviveu.
   

𝐁𝐄𝐋𝐈𝐄𝐕𝐄 𝐔𝐒, Vance HopperOnde histórias criam vida. Descubra agora