LVII.

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MARTHA DANIELS
48 ANOS ANTES.

    "... estou me dando bem com ele. Acho que Dener finalmente conseguiu me fazer gostar dele."
    São as últimas frases que escrevo em meu diário antes de fechá-lo.
    — Sra. Daniels?
    — Sim? — Me viro para trás.
    Linna Martin, uma jovem negra e muito bondosa está parada na porta. Os cabelos cacheados presos em um coque.
    — Ah, boa tarde, Linna! — Me levanto para cumprimentá-la.
    — Bom tarde. — Ela sorri, mostrando suas covinhas.
    — O que aconteceu?
    — Nada, minha senhora. Seu pai está na sala, esperando por você.
    — Bom, bom... Eu precisava falar com ele. — Sorrio. Martin me leva até as escadas.
    Desço as escadas, Linna fica no andar de cima. Estranho.
    — Não irá descer?
    — Não posso. Ele disse que é um assunto muito pessoal.
    — Ah... Ok.
    Caminho até a sala de estar.
    Meu pai está sentado em uma das poltronas.
    Seus cabelos brancos estão desarrumados. Sua cabeça, baixa.
    — Papai?
    Ele se levanta, assustado.
    — Minha filha. Venha cá. Preciso que você se sente. — Ele agarra-me pelos braços e me obriga a sentar.
    — O que aconteceu? O senhor está me assustando.
    — Filha...
    — O que aconteceu? — Questiono novamente, nervosa.
    — Filha, a casa de William pegou fogo. Ele estava lá.
    — O quê? — A pergunta escorreu de meus lábios e caiu no chão, como meu mundo, desaparecendo.
    Meu mundo paralisou.
    Todas as suas palavras pareciam vagas, vazias, ocas.
    "... assim que apagaram o fogo e viram seu corpo, notaram haver um buraco em seu rosto. Acham que foi baleado, assassinado.
    "Albert foi levado, Martha."
    De repente, estava de joelhos.
    As mãos em meu rosto, escondendo minhas lágrimas e minha vergonha.
    Meu pai estava ao meu lado, fazendo carinho em minhas costas.
    — Sinto muito, meu bem.
    Gritos ecoaram pela grande casa.
    Temia que todas as janelas se quebrassem.
    Temia que minhas cordas vocais se rompessem.
    Temia que minhas roupas se rasgassem pela força que as segurava.
    Temia pegar fogo pela temperatura em que eu me encontrava.
    O rosto molhado e cada vez mais avermelhado.
    Meu peito dói, como se houvesse alguém atravessando uma espada em meu coração.
    Meu corpo ferve, minhas mãos tremem.
    Levanto meu olhar, o rosto do ombro de meu pai.
    Dener me encara, parado na porta.
    Os braços ao largados ao lado do corpo. Está decepcionado.
    — Você precisará contar para ele. — Sussurra meu pai em meu ouvido.
    Assinto levemente com a cabeça.
    Meu pai me levanta, Dener se aproxima, estendendo suas mãos para mim.
    Me dando apoio.
    Seguro suas mãos, ele me puxa para perto.
    Coloco minha cabeça em meu peito, posso ouvir seu coração bater. Não está acelerado. Não está nervoso.
    Ele não sabe.
    Ele realmente não sabe.
    Sou a pior esposa que já existiu.

    Abraço meu corpo.
    Meu marido coloca a bucha debaixo d'água e depois a passa por minhas costas.
    Não dissemos nada desde que nos vimos.
    É difícil dizer qualquer coisa.
    Meus olhos estão inchados, doloridos.
    Há machucados em meus lábios, mordidos pelo desespero.
    Mordidos pela angústia e pela aflição.
   
    As paredes brancas me sufocam.
    São brancas demais, limpas demais. Talvez eu esteja eufórica demais, pois parece que a água da banheira está prestes a me afogar.
    Estou na beira de um penhasco feito de metal, sólido e quente. Estou na beira enquanto uso sapatos de gelo.
    Foram tirados de mim.
    Foram levados.
    E os planos que preparei para nós?
    Eles foram apagados de minha vida.
    Se dissolveram na história de meu passado como sangue na água.
    Como nuvens no céu.
    Mas eles não voltarão. Eles não voltarão para eu poder encará-los e imaginar como seriam nossas vidas.
    Aquela memória de nós no campo enquanto meu bebê tentava pegar as borboletas que voavam parece mais distante a cada segundo.
    De meu bebê, os olhos azuis e os cabelos loiros tão perfeitos.
    De meu amor, a pele negra e seu tão bonito sorriso.
    Tudo está indo embora.
   
    Sua mão passa por meu braço, o limpando. A agarro.
    — E-Eu preciso... — Gaguejo, depois soluço. — Eu preciso...
    — Calma... — Ele passa sua mão pelas minhas costas.
    — Dener...
    — Eu sei que precisa falar comigo. — Revela, sereno. — Mas, agora, precisa descansar.
    Não tento dizer mais nada.
    Minha garganta dói.
    Gritei demais. O pior é que nem percebi.
    Meus gritos me ensurdeceram.
   
    Ele ajuda-me a trocar de roupa.
    Coloca em minha um vestido leve e confortável para eu poder dormir.
    Tem cuidado de mim a tarde toda.
    Já está anoitecendo.
    Dener escovou meu cabelo e colocou meias em meus pés. Está frio, neblina cobre o pôr-do-sol.
    Deitei-me na cama. Ele colocou o cobertor sobre mim e me manteve aquecida.
    Colocou uma cadeira ao meu lado e lá se sentou.
    — Sabe por que eu estava chorando?
    — Não, meu bem. E-Eu não sei. — Respondeu, sincero.
    — Antes de ficarmos juntos, quando morávamos distantes um do outro, eu conheci William... Eu me apaixonei por ele. — O vejo engolir seco, abaixando seu olhar. — Eu tive um filho com ele.
    Ele sobe seu olhar, o fixando no fundo dos meus olhos.
    Sua boca se abre. Ele a esconde com sua mão.
    Meu marido encosta suas costas na cadeira, desacreditado.
    — Um filho? — Questiona.
    — Sim... Quando meu pai descobriu, ficou furioso. Ele disse que eu me casaria com você e que teria que deixar William para trás. Apenas porque ele não tinha condições de cuidar de mim.
    — Mas... O que aconteceu? O que aconteceu para que você ficasse daquele jeito?
    — Meu pai me contou que... Sua casa pegou fogo. — Contei, lágrimas em meus olhos. — Quando apagaram o fogo, acharam o corpo de William. Mas não era só aquilo. Havia um buraco em sua cabeça. Ele foi baleado, Dener.
    — Acha que foi suicídio? — Perguntou, os olhos esbugalhados.
    — Não. Will nunca faria isso. Nunca me deixaria.
    — Will...
    — Perdão. — Segurei sua mão. — É que... Fomos obrigados a no casar. Você sabe. E-Eu... Eu amava o Will. Desculpa. — Não consigo conter minhas lágrimas.
    — Não precisa de desculpar, Martha. Nós não sabíamos nada um do outro e de repente estávamos juntos no altar. Eu não a culpo. — Ele fez carinho nas costas de minha mão. — Eu entendo que você não tenha conseguido acabar com aquilo.
    — Bom... Agora acabou.
    — Mas não porque você quis.
    — Hm. — Murmuro.
    — Isso não é um casamento verdadeiro, mas pode ser.
    — Pode?
    — Sim. Você vai ficar bem. Vamos ficar bem. Irei cuidar de você, iremos cuidar dessa dor juntos. — Ele aperta minha mão. Tento sorrir. — Você vai ficar bem.
    — Ok... — Aceitei.
    Aceitei mesmo que já tenha sentido a mão que me acaricia em meu rosto, o fazendo queimar.
    Ele estava certo. Havia o tratado mal.
    Conversei com minha mãe.
    Ela me disse que coisas assim acontecem. Acontecem em todos os casamentos.
    Parei para pensar.
    Ela está certa, realmente acontece.
    Dener fez aquilo, mas se importa comigo. Realmente se importa.
    Ele cuida de mim. Me tudo o que quero é preciso. Me deu uma linda filha. É tudo o que eu quero.
    Tudo o que eu quero é ser feliz.
    — Dener, preciso te contar algo.
    Ele se inclinou para a frente, curioso.
    — O que foi, meu bem?
    — Estou grávida.
    Parece estar em transe.
    — Isso... Isso é incrível. — Ele sorriu, me fazendo sorrir. — Isso é incrível!
    Ele se levantou e beijou-me na testa.
    — Quer que eu pegue algo para você? — Questionou.
    — Não, não. Deite-se comigo. — Pedi.
    — Claro.
    Ele tirou seu sobretudo e sua gravata, abrindo os dois botões mais altos de sua camisa branca.
    Tirou seus sapatos e entrou debaixo da coberta.
    Ele estendeu sua mão e tirou uma mecha de cabelo de meu rosto.
    Olha para mim. Os olhos presos em cada parte de meu rosto.
    Meu marido beija minha testa, depois colando nossos lábios.
    Viro-me de costas para ele.
    Uma de suas mãos desce até minha barriga. Ele apoia seu rosto em minha cabeça.
    — Podemos fazer disso um casamento verdadeiro. — Sussurro.
    — Podemos fazer isso funcionar.
    Assinto devagar.
   
    Tentaremos.
    E faremos funcionar.
    William não pôde me dar o que preciso, mas Dener pode.
    Will não era o certo para mim.
    Dener é. Dener é o certo para mim.
   

    O lobo na pele de um cordeiro.
   
   

𝐁𝐄𝐋𝐈𝐄𝐕𝐄 𝐔𝐒, Vance HopperOnde histórias criam vida. Descubra agora