XXXI.

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MARY B.
2 MESES ANTES.

Saio de meu quarto e caminho até a cozinha.
Abro um dos armários e pego um copo de vidro.
O encho de água.
Bebo um pouco da água e então, meu olhar para no chão.
No chão limpo.
A̶n̶t̶e̶s̶ e̶n̶s̶a̶n̶g̶u̶e̶n̶t̶a̶d̶o̶.
Há uma pequena mancha vermelha no azulejo.
Toda a cena se passa em minha cabeça novamente.
Sorrisos.
O barulho de uma porta sendo aberta.
"Puta merda"
Sangue.
Sangue.
S̶a̶n̶g̶u̶e.
Desespero.
Lágrimas.
"911, qual a sua emergência?"
"A mãe da minha namorada. Ela cortou seus pulsos, está sangrando muito!"
Sirenes altas.
Finney.
Terrance.
Hospital.
"Meus pêsames."
Lágrimas.
Gritos.
Lágrimas.
Gritos.
Pânico.
Ansiedade.
Pânico.
Ansiedade.
Caixão.
Terra.
Túmulos.
"Meus pêsames."
"Meus pêsames."
"Meus pêsames."
"Meus pêsames."
"Meus pêsames."
"Meus pêsames."
"Meus pêsames."
"Meus pêsames."
"Meus pêsames."
"Meus pêsames."
"Meus pêsames."
"Meus pêsames."
A̶l̶b̶e̶r̶t̶.

O copo se quebra quando chega ao chão.
A água que cai molha minhas meias, congelando meus pés com sua temperatura.
- Merda. - Murmuro.
- Mary? - Pergunta alguém atrás se mim.
Gwen.
Ela está pálida. As olheiras em volta de seus olhos estão escuras.
- Eu deixei o copo cair. Não é nada de mais.
- Você está bem?
- Você está?
Ela assente com a cabeça.
- Então eu ficarei bem.
Gwen sorri fraco para mim. Me aproximo e beijo sua cabeça.
Ela volta para seu quarto, fechando a porta.
Saio da cozinha e volto com uma vassoura.
Limpo os cacos de vidro do chão.
Me abaixo para pegá-los e jogá-los fora.
Molho minhas mãos na água fria.
Um dos cacos corta meu dedo. Gotas de sangue caem na água.
Sinto todos os meus músculos rígidos.
Levo meu dedo até a boca, o sentindo arder.
Me levanto e jogo os cacos fora.
Pego um pano e seco o chão, depois o coloco para lavar.
Pego outro copo e o encho de água.
Dessa vez, a bebo sem quebrar outro copo.
Me afasto da cozinha e anda em direção ao quarto de Finney.
Quero abrir a porta, mas algo me diz para não fazer isso.
Encosto minha orelha na porta.
Posso ouvir o garoto chorando.
Isso acaba comigo.
Um pouco mais.
Afasto-me.

Fecho a porta de meu quarto.
Hoje é a madrugada do dia 26 de novembro de 1977.
Pego alguns papéis e uma caneta.
Eu irei me odiar para sempre por algo que estou prestes a fazer.

Escrevo cinco linhas.
Paro.
Choro.
Me engasgo com minhas lágrimas.
Amasso o papel e o jogo no lixo.

Escrevo três linhas.
Paro.
Choro.
Me engasgo com minhas lágrimas.
Amasso o papel e o jogo no lixo.

Escrevo 10 linhas.
Paro.
Choro.
Me engasgo com minhas lágrimas.
Amasso o papel e o jogo no lixo.

Estou acabando com tudo.
Estou nos arruinando.
Para sempre.

"Sempre amarei."

Nunca fui tão sincera.
Não quero terminar com ele.
Não quero acabar conosco.

Me levanto.
Minhas mãos estão tremendo, estão suando.
Sinto meu corpo queimar de dentro para fora.
Coloco minhas mãos sobre a mesa.
Essa é a coisa mais dolorosa que eu já fiz.
Pensar em Vance faz meu coração acelerar.
Me faz querer jogar tudo no lixo e ligar para ele.
Dizer que o amo.
É o que mais quero.
Mas não posso.
Preciso pensar em minha família.
Preciso pensar no que sei que vai acontecer se eu ligar para ele.
Sinto meu corpo pegando fogo.
Tenho medo de queimar minhas roupas.
Jogo tudo o que há em minha mesa para o chão.
Algumas coisas se quebram, não me importo.
- Porra! - Grito.
Minha respiração está desregulada.
Lágrimas deixam minha visão turva.
Me viro para o espelho.
Pareço um monstro.
Não consigo me controlar.
Meu punho atinge o espelho, o quebrando.
Agora me vejo por mais de 20 vezes.
Minha mão está machucada. Sangue escorre dela.
Não sinto dor.

Me volto para o papel no chão.
O pego e escrevo o que preciso.
Escrevo, escrevo, escrevo.
Sangue escorre de minha mão até o papel.
Apenas uma gota.
De sangue.

Merda.

Sorrisos.
O barulho de uma porta sendo aberta.
"Puta merda"
Sangue.
Sangue.
S̶a̶n̶g̶u̶e.
Desespero.
Lágrimas.
"911, qual a sua emergência?"
"A mãe da minha namorada. Ela cortou seus pulsos, está sangrando muito!"
Sirenes altas.
Finney.
Terrance.
Hospital.
"Meus pêsames."
Lágrimas.
Gritos.
Lágrimas.
Gritos.
Pânico.
Ansiedade.
Pânico.
Ansiedade.
Caixão.
Terra.
Túmulos.
"Meus pêsames."
"Meus pêsames."
"Meus pêsames."
"Meus pêsames."
"Meus pêsames."
"Meus pêsames."
"Meus pêsames."
"Meus pêsames."
"Meus pêsames."
"Meus pêsames."
"Meus pêsames."
"Meus pêsames."
A̶l̶b̶e̶r̶t̶.

Eu não aguento mais.
Coloco a carta em um envelope e a fecho.
Escrevo um bilhete em um papel adesivo e coloco por cima da carta.
"Entregue essa carta à Vance na segunda-feira. Eu não vou para a escola depois de amanhã."
Passo a carta e o bilhete por baixo da porta de Gwen.
Ela provavelmente está dormindo.
Pego o kit que usava para cuidar dos machucados de Vance e cuido dos meus.
Alcanço um dos cigarros de meu pai e o acendo.
Vou para fora de casa. Não quero que o cheiro fique na casa.
Na segunda-feira de manhã, nosso relacionamento chegará oficialmente ao fim.
Sinto o vento bater em meu rosto e bagunçar meu cabelo.
Não consigo raciocinar o fato de que em um dia, minha mãe acabou com sua vida e com a de cinco pessoas.
A minha.
A de Finney.
A de Gwen.
A de Vance.
A de Terrance.

Volto para dentro de casa.
Escovo meus dentes.
Abro meu armário.
O cheiro do perfume do Vance me faz chorar novamente.
Pego uma de suas camisas e a coloco.
Respiro fundo no tecido.
Quero guardar aquele cheiro em minha memória.
Sei que em algum momento terei que devolver suas roupas.
Suas correntes.
Suas pulseiras.
Tudo.

Não consigo raciocinar o fato de que a melhor coisa que aconteceu em minha vida acabou.
E é minha culpa.

A sensação dos lábios de Vance nos meus me faz arrepiar.
Cambaleio até meu rádio.
Lembro-me de Vance o ligando.
Ah, Vance Hopper.
Coloco a fita de Vance para tocar.
Me deito em minha cama.
Estou sem ar.
Os beijos de Vance queimam em minha pele.
Estou sendo consumida pelas lágrimas que provoquei.
Can't Help Falling In Love.
Eu não posso evitar acabar conosco.

𝐁𝐄𝐋𝐈𝐄𝐕𝐄 𝐔𝐒, Vance HopperOnde histórias criam vida. Descubra agora