I.

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Mᴀʀʏᴀɴɴ acordou em um colchão sujo e frio.

    Sua cabeça estava dolorida, assim como seus braços e costas.
    Seus olhos se abriram lentamente e se fixaram nas costas de Vance. Ele estava sentado na ponta do colchão, aos seus pés, em silêncio.
    Ela se levantou tão rapidamente que assustou o garoto. Ele se virou e a encarou como se pudesse ver através dela.

    Eles estavam sozinhos lá.
    Apenas Maryann e Vance.
    E o sequestrador - em algum lugar - .
    Só eles.

    - Onde ele está? - Perguntou Mary, aflita.
    - Eu não sei.
    - Ele nos drogou?
    - Eu não sei.
    - Ele veio nos ver? - Ela insistiu.
    - Eu não sei, Mary! - Explodiu Vance, a assustando.

    Maryann se encolheu e sentiu que estava começando a entrar em pânico.
    Havia sido sequestrada.
    Nunca mais voltaria para casa.
    Seus irmãos ficariam preocupados e não conseguiriam dormir.
    Seu pai ficaria nervoso. Já havia perdido sua esposa, não poderia perder sua filha.

    Sua respiração começou a acelerar. Seus olhos ficaram marejados.
    Vance se virou para Maryann, nervoso.
    - Você está bem? - Indagou ele, prestes a surtar.
    - Bem? Eu fui sequestrada, Vance! - Respondeu Mary, surtando. Lágrimas escorreram por seu rosto.
    - Nós vamos sair daqui.
    - Não, não vamos. Nós vamos morrer. - Ela afundou se corpo no colchão.
    - Nós vamos sair, Mary. Eu prometo. - O garoto prometeu e estendeu sua mão para a garota, que a agarrou.
    A escuridão impossibilitava a visão de Maryann à Vance. Seu rosto estava indecifrável.
    Ele permaneceu parado enquanto a garota chorava agarrada à sua mão.
    Eles estavam com fome, e assustados.

    Vance queria voltar à sua casa. Ao fliperama.
    Mary queria voltar à sua casa. Às árduas brigas com seu pai. Ao abraço de Finney, que a usava como desculpa para assistir filmes de terror. À companhia de Gwen, que a deitava em sua cama e contava a ela seus sonhos que se tornaram realidade. Assim como sua mãe.
     Eles só queriam ir para casa.

    O choro de Maryann parou subitamente quando a porta foi destrancada. As luzes foram acesas.
    Eles se levantaram imediatamente. As mãos de Vance tremiam e a respiração de Maryann continuava acelerada.
    - Boa noite, crianças. - Disse o homem. Não houve respostas. Foi então que Maryann notou a escuridão vinda de uma janela no alto.
    - Quem é você? - Indagou Vance, se colocando na frente da garota.
    - Por que nos trouxe para cá? - Perguntou Mary.
    - Calma. Não precisam de assustar. Não farei nada que vocês não gostem.
    - Estamos com fome. - Afirma Maryann. Mesmo que Vance negasse, ela já havia ouvido seu estômago roncar.
    - Não posso dar comida para vocês hoje. Vocês acabaram de chegar! - Ele riu.
    - Nos deixe ir... - Começou Maryann.
    - Não posso.
    - Nós não contaremos nada à ninguém!
    - Mar... - Vance ia dizer seu nome, mas sentiu a garota beliscando seu cotovelo.
    - Não posso deixá-los ir. - O homem diz e sai. Não diz nada menos, e com certeza, nada mais.

    Mary permite jogar a si mesma no colchão. Vance se senta ao seu lado e diz:
    - Você está com medo?
    - Estou. - A garota afirma. Sua voz está trêmula. - Com muito medo. Você está?
    Vance analisa sua pergunta e a olha nos olhos. As luzes se apagam e a pergunta não é respondida.
    Não era necessário. Mesmo um cara durão, como Vance, sentiria medo.

    Vance se endireitou ao lado dela e cruzou seus braços.
    - De qualquer modo, não sairemos daqui tão cedo. - Ela comenta.
    - Foi mal. - Vance cuspiu as palavras.
    - O quê? Pelo quê?
    - Por ter te metido nisso. Se ele não tivesse te visto, você estaria em casa. Com sua família. - Vance poderia contrariar esta afirmação, mas: seus olhos estavam marejados.
    - Vance, não foi sua culpa. De jeito nenhum! - Ela se apoiou nos próprios cotovelos e se virou para Hopper.
    - Estou tentando dizer isso a mim mesmo. - Ele se vira de costas para ela.

    Mary cruzou seus dedos na altura de sua barriga e se permitiu encarar o teto por horas.
    - Acho que subimos de nível.
    - O quê? - Ele se virou para ela.
    - Éramos colegas de detenção. Agora somos colegas de cativeiro. - Ela comenta. Hesita em sorrir.
    - Ah, cale a boca. - Ele comenta tentando segurar seu sorriso.
    Mesmo naquela situação, eram capazes de sorrir.
    - Qual será nosso próximo nível?
    - Colegas de túmulo. - Ele sussurra.
    - É, provável. - Ela respondeu sorrindo.
   
Maryann estava sorrindo.
Vance estava sorrindo.
Mary estava rindo.
Vance estava rindo.
Mary estava rindo muito.
Vance parou de rir.
Mary estava trêmula.
Vance estava preocupado.
De seus olhos escorriam lágrimas.
De sua boca queriam sair mentiras.
Mary estava chorando.
Vance estava em pânico.
Mary estava chorando muito.
Vance estava surtando.
Mary estava em prantos.
Vance a estava abraçando.

    Mary não sabia o que dizer.
    Seus braços demoraram à envolver Vance.
    Ele a segurava como se sua vida dependesse disso.
    Talvez dependesse.

    Vance ofegava o suficiente para os dois.
    Ele escondeu seu rosto do pescoço da garota e respirou fundo seu perfume.
    Suas mãos estavam trêmulas.

    Mary se virou de costas para ele e esperou que sua respiração fosse normalizada.
    Ela gostaria de fazer perguntas à ele.
    Gostaria de perguntar coisas sobre ele.
    Vance nunca respondeu suas perguntas.
    Mary sentia seu mundo desmoronando.
    Vance era o único que a segurava de pé. Ele a segurava para que ela não se desfizesse como pó.
    Mary não estava segurando Vance. Ele segurava a si mesmo. Vance não reclamava.
    Mary queria se desculpar por não o segurar, mas não conseguia nem segurar a si mesma.
    - Precisamos mentir para sobreviver. - Ela afirmou, soluçando.
    - Guarde suas lágrimas para o dia que precise usá-las. - Ele disse, ríspido.
    Mary sentiu um arrepio percorrer seu corpo. Queria socá-lo. Queria mesmo.
    Queria socá-lo. Bater em seu peito. Xingá-lo. Culpá-lo. Mas sabia que não podia.
    Ela transformou sua tristeza em raiva. E nesse momento, queria explodir.

𝐁𝐄𝐋𝐈𝐄𝐕𝐄 𝐔𝐒, Vance HopperOnde histórias criam vida. Descubra agora