LXIV.

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Aᴄᴏʀᴅᴏ sem ter percebido dormir.

    Minha mente está dividida entre meus pesadelos e m̶e̶u̶s̶ p̶i̶o̶r̶e̶s̶ p̶e̶s̶a̶d̶e̶l̶o̶s minha vida.
    Há pesadelos dos quais posso escapar. Também há pesadelos dos quais não consigo acordar. Esses são, na verdade, os torturantes dias de minha vida.
    Sento-me no sofá e ligo a televisão. Passa algum filme de terror, o qual não consigo identificar.
    Penso em quem mais gosta de filmes de terror em casa, Mary.
    — Mary! — Me levanto. — Vem assistir a esse filme comi... — Entro em seu quarto, ele está vazio.
    A cama está arrumada, assim como tudo naquele quarto. É então que me lembro de arrumá-lo a cada 5 minutos. Sempre mudo as coisas de lugar. É como se estivesse tudo fora do lugar, mesmo que eu arrume do jeito que ela deixou ele quando saiu de casa pela última vez. É como se tudo estivesse errado, não é para ser assim.
    Saio de seu quarto e corro até o meio do corredor. Para onde estou indo? Finney também não está aqui.
    Dói, na maior parte do tempo.
    Essas... feridas estão abertas. Não sabem lidar com os novos machucados. Aparecem a cada minuto, cortando as raízes de meus antigos problemas e as transformando em suas.
    Gostava de falar com Mary e Finney sobre meus problemas.
    Gostava do fato de eles também terem problemas com nosso pai, pois eu tenho. Eles me entendiam. Tínhamos praticamente os mesmos problemas.
     Eu só quero que esses machucados se cicatrizem.
   
   
    Eu sou uma borboleta, e minhas asas foram arrancadas. A direita foi arrancada no dia 31 de janeiro, a esquerda, no dia 26 de outubro.
    Preciso de minhas asas. Preciso voar, mas não consigo.
    Robin está me ensinando a rastejar pelo chão, a continuar vivendo. Mas não é a mesma coisa. Não é a mesma coisa, pois minhas asas foram arrancadas de mim. Não é como se eu pudesse tê-las de volta a qualquer momento.
    Robin é, na verdade, muito bom com palavras, ao contrário de Finney, que é péssimo nisso.
    Ele fala muito sobre o amor. É algo que não entendo muito bem. Pode negar, sim, mas eu sei que todas as suas lindas frases de amor ele construiu pensando em Finney.
    Não é estranho, é maravilhoso. Não é nada diferente de quando Finney gostava de Donna. É igual, mas há algo diferente. Donna e Finney são apenas um amor escolar. Finney e Robin são... ah, eles são o significado de amor verdadeiro.
    Assim como Mary e Vance. Não é diferente. Não é diferente porquê eles são dois garotos.
    É igual, só... amor.

    Não pensar já é pensar e eu não consigo evitar passar o dia inteiro pensando em Finney.
    Não é algo que posso esquecer e mandar embora. Não funciona assim.
    Esses pensamentos são involuntários como todos os outros, porém, são fortes e resistentes. Sempre estão ali, e não importa o que você faça para afastá-los, eles nunca vão embora.
    Há algo a mais faltando.
    Algo em minhas roupas.
    "Ei, posso ficar com a sua bandana? Só até a noite? Ela é muito legal."
    "Claro."
    É isso que está faltando, a bandana.
    Espero que aonde quer que Finney esteja, ele saiba que eu espero por ele. Todos os dias.

   
    Me arrumo e calço minhas botas sem a bandana para amarrar em minha cabeça.
    O telefone toca e eu atendo. Do outro lado, Gwen pergunta se estou pronto. Digo que sim e trocamos breves palavras, depois desligando.
    Sento-me do lado de fora de minha casa. Minha mãe já foi trabalhar.
    Pergunto a mim mesmo o que minha mãe pensa de mim. Será que ela tem nojo de mim? Não sei. Ela não apresenta isso em seu olhar.
    Será que meu pai me aceitaria sem julgamentos? Eu não sei. Nunca vou saber. É tarde demais para fazer essa pergunta.
    É tarde demais. É tarde demais.
    É tarde demais. É tarde demais.
    É tarde demais. É tarde demais.
    É tarde demais. É tarde demais.
    É tarde demais. É tarde demais.
    É tarde demais. É tarde demais.
    É tarde demais. É tarde demais.
    É tarde demais. É tarde demais.
    É tarde demais. É tarde demais.
    É tarde demais. É tarde demais.
    Talvez se eu tivesse percebido antes. Se eu tivesse aceitado e entendido antes, talvez Finney soubesse. Talvez não seria um segredo.
    Me lembro como se fosse ontem.
    Do dia em que contei para minha mãe.
    As lágrimas em meus olhos, as mãos trêmulas, a voz falhando, as frases começadas, cortadas e encerradas.
    "Eu amo o Finney, mãe."
    Juntei as mãos em um ato de misericórdia e as juntei a testa.
    "Por favor, entenda."
    Esperei dor, e surpreendente recebi amor.
    Um abraço envolveu seu corpo ao meu e tranquilizou-me.
    Por um minuto, eu me senti um boneco de porcelana prestes a cair e quebrar.
   

𝐁𝐄𝐋𝐈𝐄𝐕𝐄 𝐔𝐒, Vance HopperOnde histórias criam vida. Descubra agora