Facas

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As vezes, quando estamos tristes demais ou cansados demais, tendemos a tomar banho para nos sentirmos melhores, mais limpos e menos tristes. Depois de trancar a porta do banheiro, Ayan passou em frente ao espelho e viu seu corpo com algumas mordidas e varias marcas vermelhas. Ele lembrava de cada uma delas, especialmente da marca arroxeada em suas duas tatuagens.

— Filho da puta...

Bom, ele teria que ter ótimas desculpas para as roupas de frio nos próximos dias ensolarados. Por mais que a primeira noite de Ayan e Yok juntos tivesse sido intensa e muito boa, eles sabiam que não passavam de diversão para o outro, mesmo que isso não fosse realmente verdade. Algo estava inquieto dentro do peito dos dois garotos. Seus corações estavam em guerra, rejeitando o desejo do próprio corpo. Estavam em uma guerra constante entre a razão e a emoção.

Ayan olhava em seus olhos no espelho e não gostava do que via. Não gostava de estar sentindo-se tão vazio. Seus olhos estavam fundos. Seus ombros cansados e caídos. Naquele espelho ele viu tudo, menos ele, e isso doeu. Enquanto o coração batia desesperado, a mente estava inquieta por não saber como controlar tais sentimentos. Isso era uma discussão frequente que sempre tinha os mesmos argumentos.

"A gente precisa tentar de novo, vai ser diferente de ontem!" — disse o coração.

"A gente não pode arriscar! Quantos "ontem" já se passaram com essa mesma conversa?"... — respondeu a mente em confusão.

Sabe, as vezes temos o privilégio de viver amores inesquecíveis, realmente inesquecíveis. Amores leais e que nos permitiram ver o lado bom desse sentimento. Mas, algumas vezes, nós acabamos nos entregando demais para alguém que não está na mesma onda que nós e então acabamos tomando um caldo e caindo da prancha. O coração que sempre se entrega por inteiro, uma hora cansa e acaba se fechando, e a mente, sempre tão sábia, uma hora chega com a frase que mais odiamos ouvir, o maldito: "Eu te avisei...". Acostumada com as decepções e os erros, ela só tem a lamentar quando sente alguma vibração estranha do seu amiguinho ingênuo da casa vermelha no andar debaixo.

Ayan se sentia usado, assim como Yok, mas nenhum deles deixaria transparecer que se sentiam de tal forma. Um estava no fim do banho e sentia a água quente cair em seu corpo enquanto pensamentos intrusivos surgiam em sua mente como ondas fortes que atingem o quebra-mar em sequência, e o outro? O outro estava deitado na cama encarando o teto a frente de seus olhos e em sua mente furacões devastadores embaralhavam seus pensamentos, o confundindo ainda mais sobre seus sentimentos. Ayan pensou em suas pílulas de dormir durante todo o tempo em que estava no banho, porém, o mais estranho era que ele não sentia necessidade de tomá-las, queria apenas apagar por um tempo, mas decidiu deixar passar e apenas "viver" o momento.

— No que está pensando?

Yok não havia reparado que o menor já tinha terminado seu banho até ter sua atenção voltada para a figura que estava parada ao lado da cama com a toalha amarrada na cintura e que o olhava de forma curiosa, pois ele tinha os olhos distantes e perdidos antes de Aye retornar para o quarto. Mal sabia o garoto que ele era o motivo de tanta confusão. Yok sacudiu a cabeça, afastando os pensamentos e sentou-se na cama, mirando Ayan parado ali. Ele parecia tão bonito quanto antes, pensou o moreno. Seus cabelos escorridos pela testa. Seu colar grudado em seu peitoral. Seu corpo molhado e com algumas marcas...

— Em quanto tempo mais você passaria dentro do banheiro, baixinho.

— Está livre agora, pé grande!

— Me chamou de quê?!

— Pé grande! — o moreno se esticou para puxar Ayan pela cintura, mas o mesmo recuou alguns passos para trás e sorriu — Lento demais!

— Ah, é?!

Ele levantou depressa e Ayan tentou correr de volta para o banheiro, mas Yok o puxou pelo braço e o jogou na cama, ficando por cima do mesmo e prendendo seus pulsos contra o colchão.

— Quem é lento aqui, baixinho?!

— Me deixa ir...

— Tente sair se for capaz...

Ayan já havia se perdido completamente naqueles olhos castanho-escuro acima de si que, sem perceber, umedeceu os lábios e essa reação fez Yok se inclinar para beija-lo, mas ele logo saiu do transe e virou o rosto, então o beijo foi dado em sua bochecha.

— As marcas vermelhas que você deixou no meu corpo não bastam? — ele queria escapar de Yok, mas já estava fundo demais em algo que não conseguia controlar. Ayan perguntou, ficando emburrado por lembrar das marcas, mas Yok não o deu ouvidos e segurou o queixo do mesmo, fazendo-o olhá-lo.

— Eu te solto se prometer que não vai fugir.

O menor encarou novamente os olhos de Yok e sempre que isso acontecia ele se via cada vez mais perdido neles, sempre indo mais e mais fundo. Ayan não queria fugir de verdade. Ele queria ficar e ser um bom motivo ou pelo menos uma boa memória para Yok. Uma memória boa que ocultaria sua memória ruim do passado.

"Seus olhos são um penhasco enorme, mas eu não me importaria em pular."

Dessa vez o rapaz não relutou e deixou o maior beija-lo, e no meio do beijo, um suspiro pesado saiu da boca de Aye, mas foi abafado pelos lábios de Yok. Pela primeira vez na noite, ambos conseguiram sentir com calma o gosto do outro. Conseguiram sentir o quão macios eram aqueles lábios. O quão bom era tê-los ali. O quão precisavam do outro... O beijo era calmo, sem pressa alguma. Eles já estavam entregues um ao outro, só não sabiam disso ainda. Suas línguas se encontravam em movimentos sincronizados e gostosos, e era tão bom...

— É melhor você ir tomar banho... — disse Ayan separando o beijo, mas ainda o querendo ali.

Se ele se entregasse iria abrir o caminho para Yok fazer consigo tudo que fez há pouco tempo atrás, então mesmo querendo muito, ele o afastou.

— Por que tá me afastando? — perguntou o moreno ainda com o rosto a poucos centímetros do de Ayan e os olhos do menor o olhavam com tanto amor. Ele tinha tanto para dar... — Eu não tô te beijando agora porque quero fazer aquilo de novo. Eu não posso querer te beijar sem ter outras intenções? Ou você acha que tudo é sobre sexo?

— Então toma banho e volta pra ficar comigo, Yok... — pediu docemente, mas soou como uma súplica desesperada e triste.

Ele queria chorar, pois tais palavras custaram muito para serem ditas. Elas travaram até chegar ao início da garganta e então sair, mas Yok também queria isso, só que, é tão difícil dizer...
Quão difícil é dizer o que realmente sente ou quer? Eu sei, não precisa responder...

— Você quer que eu volte?...

— Você quer voltar?... — sua expressão era triste e Yok podia notar, então o respondeu sem pensar, mas fora a coisa mais sincera que ele queria falar.

— Quero... — respondeu e se afastou do menor.

— Eu quero que você volte...

Yok estreitou os lábios num sorriso fraco e entrou no banheiro.

— Amanhã isso vai ter acabado...

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