Coisas quebradas

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Há tantas coisas que precisam ser arrumadas, seja na casa, no quarto, no guarda-roupa, no coração... Yok dormia tranquilamente na casa de Ayan enquanto seus amigos tentavam limpar o quarto de Sean na oficina para o garoto poder voltar, mas estava sendo uma missão quase impossível. Havia muitas tralhas para apenas um garoto que dormia sozinho e vez ou outra com seu namorado que mal aguentava toda aquela bagunça.

— Será mesmo que vai dar pra ele ficar? O quarto é meu, mas eu tenho que reconhecer, tá precisando de uma faxina de três dias aqui dentro.

Sean, o próprio dono do quarto mexia nas coisas superficialmente e notava que seu quarto não era limpo há um bom tempo. Não por falta de tempo, mas por irresponsabilidade. Dizem que a bagunça do quarto reflete a bagunça que você tem por dentro. Bom, no meu caso, isso explica muita coisa.

— Como você consegue ficar aqui, White?

— Arrumando quando eu venho.

— Não tem condições de nós o deixarmos em um hotel. — disse Gumpa, mas os rapazes não entenderam onde ele queria chegar.

— Não tem condições de nós o deixarmos aqui...

— Condições nós temos, Gumpa. Principalmente o Black e o White. — apontou Gram para os gêmeos — Mãe juíza, pai diplomata, o que mais?

— Eu não vou recorrer a minha mãe. Fala você com o pai, White.

— Não temos condições, pronto.

White falou por fim e os outros riram, pois na sua última vez em casa ele havia brigado feio com o diplomata e também havia discutido com sua mãe há algum tempo. Filhos que cresceram com a ausência dos pais tornaram-se mais... fechados e desinteressados quando se trata de pedir ajuda familiar. Eles não recorreriam a nenhum dos dois, pois, ambos ali tinham o outro e eles bastavam. O apoio de irmão, ainda que brigassem quase todo o tempo.

— Eu quis dizer que se levarmos ele para um hotel ele pode ser pego, e nós também. Vamos fazer o que der pra fazer para trazê-lo.

Como os amigos de Ayan e o próprio, cada um dos amigos de Yok faziam uma coisa no quarto de Sean. O dono do cômodo dobrava seus lençóis e roupas e os colocava dentro de seu armário enquanto Gram substituía os forros e fronhas dos travesseiros. Com a ajuda de uma vassoura, Black a passava nas paredes tirando dali qualquer poeira ou sujeira que pudesse ter, incluindo teias de aranha. Enquanto White passava um pano molhado no chão do quarto, Gumpa separava roupas do garoto para deixar a sua espera. As roupas estavam todas limpas, mas ele precisava se sentir confortável naquele lugar. Era um bom lugar para se passar o tempo, mas não quando se está machucado.

— Qual é mesmo o nome do carinha do parque? — perguntou Gram e Gumpa o respondeu em tom de desatenção.

— Ayan...

— A gente arrumou e parece que não mudou nada.

— Qual é, Black. Não precisa me humilhar.

— Será que o Ayan não deixaria o Yok ficar lá até ele estar melhor? Eu posso falar com ele.

— Com certeza ele vai te ouvir, você é o mais civilizado, White.

— Amanhã Sean e eu voltamos na casa dele.

— Faça o seguinte, Sean, fique você com o quarto e deixe o Yok na casa do Ayan.

A casa do mais baixo era o segundo melhor lugar para o moreno ficar, o primeiro era o hospital, mas eles não podiam sequer cogitar em levá-lo até lá. Mesmo depois que o garoto adormeceu, sua febre ainda continuava alta e seu corpo tremia, isso fez com que Aye, que dormia ao seu lado acordasse ao sentir os tremores na cama. Não dá para explicar o que aconteceu com Yok aquela noite. Seu braço e seu corpo não doíam mais, graças ao analgésico que Ayan o deu mais cedo aquela noite. Yok havia caído no chão de mal jeito e isso o deixou dolorido, realmente dolorido, mas já passará, mas a queda de moto não explicava a febre alta do rapaz.

— Shi... tá tudo bem! Essa febre vai passar em breve...

Ayan cobriu o garoto que ainda tremia mesmo com o moletom e os outros cobertores, e deitou ao seu lado de novo. Algumas horas depois de ter acordado, Aye não conseguiu mais dormir, mesmo Yok estando melhor. Ele encarava o teto enquanto em sua mente se passavam algumas memórias que eram difíceis de acompanhar. O garoto também tivera que enfrentar seus próprios monstros quando ficava sozinho nas frias e intermináveis madrugadas. Com um turbilhão de pensamentos surgindo em sua mente, Aye piscou os olhos de forma demorada e lágrimas escorreram pelos cantos. Nem mesmo ele sabia o porquê daquilo, ele apenas se permitiu pensar e... se perdeu... Ambos os rapazes que estavam deitados lado a lado tinham seus próprios monstros para enfrentar. Tinham dores morando em lugares que dores não deveriam morar. Tinham um vazio no peito, um espinho que para poder ser curado e retirado teria que ser descoberto primeiro. A cura para o ferimento dos dois estava ali diante de seu olhos, deitado ao seu lado, mas ainda era cedo demais para saber.

Já na oficina, nenhum dos garotos dormiram naquela madrugada. Todos estavam espalhados pelo lugar fazendo alguma coisa aleatória e sem sentido para aquela hora da madrugada.
Black limpava desatentamente o sangue que havia ficado em sua chave de fendas quando ele a usou mais cedo. Gram limpava o chão sujo de óleo. Gumpa analisava moto por moto enquanto Sean e White ficavam apenas brincando, sentados no sofá. Mas uma coisa era certa, mesmo rindo e se divertindo, todos ali ainda tinham seus pensamentos presos em Yok, principalmente o seu melhor amigo, Gram.

"Será que ele está bem?"
"Eu deveria ter ficado com ele."
"E se Ayan fizer algo com Yok?"

A frustração de Gram estava nítida em seu rosto, isso era muito notável. Fazia mais de meia hora que o garoto deslizava o esfregão no mesmo lugar e todos já haviam percebido isso. Black tentava chamar a atenção do garoto há algum tempo chamando seu nome, mas o garoto de cabelos platinados não o ouvirá e continuará passando o esfregão na parte limpa do chão.

— Gram!

— O que?!

— Cara, vai fazer uma hora que você está limpando aí. O chão já está limpo.

— No que você está pensando, Gram? — perguntou Gumpa.

— Vocês acham que o Yok está bem? É confiável deixá-lo com o Ayan? A gente acabou de conhecer ele...

— Não acho que ele vá fazer algo com o Yok. E se ele fizer...

— Nós sabemos onde ele mora. Eu posso fazer o que eu fiz com o Dan.

— Não ouse falar o nome desse cara quando o Yok voltar!

— Gram, Ayan não vai fazer nada com ele.

— Vamos lá pra garantir?

— Eles já estão dormindo há muito tempo. Acalmem-se todos vocês. Amanhã nós voltamos lá.

— Se não formos pegos.

— Não vamos ser. Gram, você tem que dormir, amanhã vai ser um longo dia. Na verdade, todos nós temos que dormir!

— Eu vou separar as chaves de fenda primeiro.

— Vou terminar o chão...

— Vou ficar com o Sean aqui embaixo.

— Bom, então nada de dormir hoje...

— É.
— Nada.
— Sem chance, Gumpa.

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