O barco aportou no momento que o sol começava a se por entre as árvores à margem do rio Purus. Aruana Karajá apontou sua câmera para o arvoredo e bateu diversas fotografias, como vinha fazendo nas últimas horas. Voara de São Paulo para Rio Branco, capital do Acre por quase oito horas e pernoitara na cidade. Pela manhã tivera a primeira dificuldade, o barco, chamado ubá pelos locais, que pegaria para Santa Rosa do Purus simplesmente atrasaria por algumas horas. A cidade, dentro da floresta amazônica, ficava a horas de distância da capital.
Depois que o barco lotado partira, Aruana dividira o seu espaço com famílias inteiras de acreanos, militares do Exército Brasileiro, dois indigenistas e um animado antropólogo francês. A viagem levara horas, porém Aruana se preparara.
A revista norte-americana Many Tribes encomendara uma reportagem especial sobre a colônia Nova Espécie no Brasil, a Homeland III. Aruana não sabia até que ponto sua ascendência indígena influenciara na sua escolha para fazer aquela reportagem. Sua avó paterna fora do estado do Amazonas para São Paulo ainda criança. Casara com um paulistano e seu filho crescera como qualquer criança brasileira. Todo o contato que Aruana tivera da cultura de sua família karajá fora através da avó, com quem convivera pouco.
Aruana era alta e esguia, de pele bronzeada e seus cabelos negros tinham um corte muito curto e moderno com uma franja lateral discreta. Suas feições mostravam sua ascendência nos olhos puxados e escuros e no rosto arredondado.
Ela aproveitou a viagem para registrar a beleza das terras às margens do rio Purus e a alegria das crianças durante a viagem de barco.
A chegada na pequena cidade estava envolta em ansiedade. Nunca vira um Nova Espécie de perto, apenas por imagens. A revista conseguira que a ONE Brasil a recebesse em suas terras e ela estudara tudo que fora possível sobre eles. Ainda assim, estava muito ansiosa ao encontrar-se com eles.
As pessoas começaram a desembarcar e ela passeou os olhos pelo pequeno porto. Ainda estava movimentado àquela hora e os marinheiros desembarcavam engradados cheios de mantimentos.
Um pequeno aglomerado de pessoas caminhava pelo cais e ela percebeu que cercavam duas figuras enormes. Tirou os óculos escuros para enxergar melhor. Caminhando em direção ao barco, dois altos Novas Espécies se destacavam à luz do pôr do sol. A boca de Aruana abriu quando uma mulher negra a apontou e os dois homens a fitaram. Um dos homens segurava a mão da mulher.
Os dois Novas Espécies usavam camiseta e shorts pretos.
Ela fechou a boca e engoliu em seco quando o trio parou em frente ao barco. A mulher acenou para ela.
— Você é a Aruana? - perguntou em português.
— Sou!
Um Nova Espécie de pele escura e com um comprido rabo de cavalo embarcou e parou à frente dela. Ele ocupou o espaço à sua frente.
— Sou Fiber Colorado. - apresentou-se em inglês.
Aruana piscou rapidamente e estendeu a mão para ele. O homem apontou para suas bolsas de viagem.
— É sua bagagem?
— Hã... Sim.
Ele pegou as duas bolsas e as levantou com facilidade. Saltou para o cais e se afastou.
A mulher fez sinal para ela desembarcar. O outro Nova Espécie estendeu a mão para ela. Aruana hesitou um instante, mas segurou sua mão grande e desceu do barco. Quando pisou no cais, a mulher a abraçou rapidamente.
— Oi, sou Estela North. - deu-lhe dois beijos nas faces. — Achamos que o barco chegaria mais cedo.
— É, atrasou demais.
Estela se virou para o homem imenso que usava um coque.
— Este é o meu marido, Vengeance.
— Olá, humana. - falou em inglês, com uma voz cavernosa.
Aruana ergueu as sobrancelhas pela surpresa de saber que a mulher era casada com aquele homem.
— Ven...
— Eu a cumprimentei.
— Nós usamos nomes, esqueceu?
O homem imenso tirou os óculos e a encarou. Aruana admirou os olhos azuis eletrizantes. Aquele homem era... incrível.
— Olá... - ele olhou para a esposa. — Esqueci o nome.
— Aruana Karajá.
— Olá, Aruana Karajá. Eu sou de Estela.
Aruana se surpreendeu novamente. Estela riu e segurou seu ombro.
— Não diga nada. Você se acostumará com ele. Vamos?
Estela e Vengeance caminharam pelo cais ignorando as pessoas que encaravam o Nova Espécie e alguns até o tocavam. Aruana viu uma lancha coberta e mais dois Novas Espécies nela. O homem que levara suas bolsas saltou para dentro da embarcação. Ela admirou a agilidade dele.
— Aruana, sei que está cansada, mas não contávamos com tanto atraso do ubá. - Estela parou em frente à lancha. — Precisaremos seguir viagem.
— Tudo bem.
— Você vai ver que é bem confortável.
O marido de Estela ergueu-a no braço e embarcou. Aruana viu o outro homem desembarcar e estender os braços para ela.
— Ei! - ela recuou e fez um sinal para o Nova Espécie parar.
— Vou ajudá-la, humana.
Aruana precisou olhar para cima para encarar o homem enorme. Ele tinha músculos que fariam seu personal trainer estremecer. Parecia mais indígena do que ela, com aquela maças do rosto salientes.
— Eu posso embarcar sozinha.
Ele franziu os lábios e tirou os óculos. Aruana arfou, surpreendida pelos olhos de gato. Ela vira fotos de Novas Espécies felinos, mas era muito diferente encarar um. Os olhos brilhavam à luz do crepúsculo e tinham uma estranha cor amarelada. Pensou que seria daquele jeito que uma pantera a olharia.
— Certo. - ele resmungou e saiu da sua frente.
Aruana olhou para a rampa na popa da lancha e tentou calcular a distância do cais até a rampa. Respirou fundo e se preparou para pular para dentro da lancha. Foi até à beirada do cais e, tomando impulso, saltou. Seu pé bateu no piso da lancha, mas a flutuação a desequilibrou e gritou, sabendo que cairia na água.
Sentiu mãos segurá-la pelos quadris e a erguerem. Quando viu, estava em pé, com as costas coladas a um corpo grande e maciço.
— Ai...
Ele não a soltou e falou no seu ouvido.
— Está segura, humana.
Aruana olhou para trás e deu com o olhar sombrio.
— Meu nome é Aruana.
Ela abriu novamente a boca quando ele cheirou seu hálito.
— Você não bebeu. - ele falou.
— É claro que não!
Estela apareceu na sua frente.
— Obrigada, Fiber. - agradeceu e segurou os braços de Aruana. — Venha sentar-se. - Fiber a soltou e ela se deixou levar até os assentos atrás do leme, onde ele se sentou. Estela sorriu para ela. — Coloque o cinto de segurança; esses garotos gostam de correr.
Aruana observou os garotos. Eram todos muito altos e musculosos. Um homem de cabelos castanhos num rabo de cavalo se aproximou dela.
— Quer que eu guarde sua bolsa?
— Ah, não, obrigada. - ela agradeceu, ajeitando a bolsa onde guardava os documentos e suas câmeras.
Prendeu o cinto de segurança e observou a lancha. Devia ter quase dez metros e tinha linhas modernas.
Estela se virou para ela.
— Eu comprei bebidas. Quer um refrigerante ou suco?
— Eu aceito um suco.
— Blade, pode pegar uma garrafinha de suco para Aruana?
O homem de cabelo castanho olhou para um outro de cabelos louros curtos.
— Você deixou algum suco, Sky?
— Não sou egoísta. Guardei um.
— Quanta generosidade.
O homem chamado Blade desceu por uma escada estreita, enquanto Fiber ligava a lancha.
Aruana sentiu a vibração do motor e se preparou para mais uma viagem. Olhou para Estela, que parecia muito à vontade entre aqueles homens de aparência feroz.
— Homeland III está muito longe?
O barco deslizou para longe do cais.
— Cerca de uma hora de lancha.
— Tão longe?
Estela sorriu.
— Se fosse mais cedo você se distrairia com a paisagem. É maravilhosa.
O motor roncou mais alto e a embarcação pegou velocidade. Blade surgiu no convés com uma garrafinha de suco na mão.
— Só sobrou o de manga. - falou acima do barulho. — Você gosta?
— Está ótimo, obrigada.
Aruana abriu a garrafa e tomou um gole do suco. Estava suada, cansada e irritada com as dificuldades daquela viagem, mas decidiu que nada lhe tiraria o prazer de mais um trabalho interessante.
Sem afastar o gargalo da boca, observou o homem que dirigia o barco. Admirou os bíceps bem feitos e o rabo de cavalo que descia até o meio das costas; o corpo recortado contra a luz crepuscular era enorme e ela lembrou da sensação daqueles músculos contra suas costas. Tomou mais um gole. Esperava que os outros Novas Espécies que conheceria não fossem tão assustadores como aquele homem.
Fiber... Fibra. - pensou. — Que raios de nome é esse?
Respirou fundo e deixou que a beleza do céu alaranjado a acalmasse.Queridas leitoras, gosto muito de ler os seus comentários e respondê-los, além de sugestões.
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Fiber: Uma história Novas Espécies 4
FanfictionQuando Fiber foi libertado do laboratório Mercille no Colorado, ele encontrou a sociedade das Novas Espécies estabelecida. Mesmo com todo o apoio da ONE, Organização das Novas Espécies, Fiber sente que não se adaptou totalmente ao mundo. Sente-se ma...