Fiber estava em cima da muralha do portão de entrada de Homeland III. Ele vigiava dois barcos que desciam o rio. Mais cedo, havia recebido um pedido de ajuda da Polícia Federal, pois garimpeiros ilegais estavam invadindo o território da tribo Jaminawa. Fiber coordenaria uma equipe de oficiais que interceptariam os barcos e os impediriam de atravessar o território da ONE. Um pouco mais à frente dois machos também vigiavam o rio.
Sentia-se um pouco cansado, porque nas últimas semanas trabalhara além do necessário. Se acostumara assim.
O doutor Bishop forçara uma consulta e receitara um antidepressivo para ele e Fiber não se negara a usar; estava realmente se afogando de tristeza. Com o uso do medicamento se sentira melhor e passara a dedicar ainda mais horas ao trabalho.
Evitava pensar em Aruana e vinha tendo sucesso. Ele se iludira sobre o que ela sentira por ele. O que ela sentira por ele fora luxúria (aprendeu na internet), não era nada parecido com o que diziam que as fêmeas humanas sentiam por seus companheiros. Não conseguia imaginar Francisca ou Cecília abandonando os seus machos. E ela o abandonara por causa do seu mundo.
Tratara de se conformar de que seu envolvimento com Aruana fora um engano. Ela brincara com seus sentimentos e lembrar dos momentos de carinho e paixão que tiveram o mortificavam.
Apontou o binóculo para além da curva do rio, esperando ver os barcos a qualquer instante.
Seu telefone tocou e atendeu sem olhar o contato.
— Fiber.
— Oi.
Seu coração deu uma cambalhota dentro do peito. Aquela voz não poderia ser de Aruana!
— Quem é? - perguntou, desconfiado.
— Aruana.
Era ela! Fiber tornou-se ciente de cada parte do seu corpo, pois um calafrio o percorreu, arrepiando-o todo.
— Aruana?
— Não reconhece mais a minha voz?
Fiber levou a mão ao peito tentando conter as batidas violentas do seu coração.
— Por que está me ligando? - sua voz soou brusca.
Houve silêncio do outro lado da linha e depois ouviu um suspiro.
— Eu... queria ouvir sua voz.
O que ela pretendia? Por que ligara? Sentiu a raiva surgir.
— Por quê?
— Fiber, eu preciso pedir desculpas pelo... pela forma como tudo acabou. - ele franziu as sobrancelhas, mas não respondeu. — Eu estava muito confusa sobre nós dois. Precisava de um tempo.
— Você está se desculpando ou se justificando?
— As duas coisas, eu acho.
Ele rosnou baixinho. Se era perdão o que ela queria... Não daria.
— Você não foi boa para mim. - despejou.
— E eu sinto muito. Muito mesmo.
— Deve estar feliz com sua escolha.
Fiber ouviu outro suspiro.
— Não estou, Fiber.
— Queria voltar para sua vida na cidade.
— As coisas... não ficaram bem. - ele ficou em silêncio, as mãos úmidas. — Eu pensei que poderia só voltar e minha vida retornaria ao normal. — ele não fez comentários e ela fez um barulhinho com a boca. — Você não quer saber como eu estive nesses dois meses?
Ele queria, queria muito.
— Não. - respondeu com secura.
— Não? - o tom dela era de surpresa.
— Não quero saber o que fez com a sua vida.Você partiu e acabou. Foi isso.
— Eu... Não queria te magoar.
Furioso pensou que, se Aruana estivesse ali, ele perderia o controle com ela. Como ela ousava tripudiar dele?
— O que você quer, Aruana? - ela hesitou e ele continuou. — Quer que eu a desculpe por ter me rejeitado? Eu não a desculpo. Era só isso?
— Fiber, por favor... Eu acabei de ver a reportagem. Meu coração... eu me dei conta de que...
Um dos machos fez sinal para ele. Fiber havia esquecido da vigilância.
— Espere. - grunhiu no telefone.
— O quê?
Ele ergueu o binóculo. Dois barcos antigos desciam o rio. Ficou dividido entre resolver aquele assunto e falar com Aruana.
— Eu preciso ir.
— Fiber...
— Quer me dizer mais alguma coisa?
— Eu esperava que...
Fiber viu os espécies no cais se agrupando para interceptar os barcos.
— Preciso ir.
— Ok. Eu posso te ligar depois?
— Você não pediu para ligar agora.
A voz dela soou trêmula.
— Você não quer que eu ligue?
— Escute: ainda estou muito zangado com você. Não estou a fim de ouvir suas justificativas para se sentir bem.
— Mas não é isso...
— Preciso desligar.
— Eu vou te ligar!
— Certo.
Fiber encerrou a ligação e se juntou aos dois machos. Seu coração ainda batia dolorosamente e aquela ligação o deixara com raiva. Ela queria ser perdoada, isso era claro. Aruana não se incomodara em ligar para ele só para se sentir confortável consigo mesma. Rosnou com raiva e os dois espécies o olharam sem entender.
— Vamos descer. - ordenou e saltou por toda a altura da muralha.
Seus parceiros, que também eram felinos, o imitaram sem dificuldades e logo se encaminharam para o cais.
Fiber estava com a mente perturbada por aquela ligação, porém sabia que tinha que se concentrar no trabalho, afinal era o chefe da segurança.
Se aproximou dos barcos com a lancha e quando abordou os barcos tinha uma dúzia de espécies apontando fuzis.
Os homens nos barcos tentaram alegar que estavam apenas pescando no rio, entretanto Fiber notou os equipamentos de garimpagem. Revoltados, foram obrigados a dar meia volta e se afastarem da colônia.
Fiber e a equipe permaneceram mais algumas horas no cais, a fim de se prevenir de mais uma tentativa de avanço dos garimpeiros.
Durante todo o tempo ele se lembrava do telefonema de Aruana, magoado por ela ter ligado, mas confuso pelos motivos.
Seu coração pesava no peito, um toque de esperança insistindo em abrir uma brecha na sua raiva.
Não podia, não queria pensar que ela tivesse outra intenção que não fosse se desculpar. O celular pesava no seu bolso, mas se controlou. Fora difícil demais lidar com o abandono e não se sentia forte o bastante para sofrer mais.
Continuou sua patrulha, apenas desejando que as emoções que o telefonema despertara desaparecessem.Aruana ficou um longo tempo olhando para o telefone em sua mão. Não esperava aquela reação de Fiber. Ele transmitira tanto desagrado e raiva!
Foi até a varanda e ficou observando o movimento de pessoas e veículos lá embaixo. Cada uma daquelas pessoas tinha suas alegrias, suas tristezas; alguma sentiria seu coração dolorido como estava o dela?
Voltou para o sofá e pegou a revista. Acariciou a imagem de Fiber. Pensar que fora amante e amada daquele homem a assombrava. Fora acarinhada por ele, possuída e amada. Seu egocentrismo e medo a fizeram se afastar de Fiber, ignorar o sentimento que ele despertara nela e a certeza de ser amada como nunca fora.
Precisava falar com Fiber, se explicar, pedir perdão, o que fosse, para ele aceitá-la de volta.
Pegou novamente o celular e achou o número de Creek; a mulher atendeu no primeiro chamado.
— Aruana?
— Oi, Creek. Como você vai?
— Estou bem.
— Está tudo tranquilo por aí?
— Está, sim. Estamos preparando uma grande festa de Natal. Sky vai se vestir de Papai Noel.
— Que legal, Creek. - mordeu o lábio inferior. — Eu queria...
— Saber sobre Fiber?
— Sim, Creek. Como ele está?
— Por que está perguntando agora? - a voz de Creek mostrou tensão. — Ele sofreu muito.
— Eu não queria magoá-lo.
— Mas magoou muito. Ele ficou sem trabalhar, não comia, não convivia. Você fez muito mal para ele.
— Por favor, Creek, não diga isso. - Aruana sentia o peito doer. Fora tão ruim assim para ele? — Eu liguei para ele hoje. Fiber não quis falar comigo.
— Me desculpe, Aruana, mas o que você esperava? Ele foi humilhado.
— Eu não o humilhei!
— Humilhou, sim. Ele acasalou com você, mas você nunca quis. Os outros espécies pensaram que ele não era um macho de valor.
— Mas isso é absurdo.
— É como pensamos.
— Você também?
— Eu não. Sei que Fiber é um macho correto e corajoso. Ele sempre foi respeitado pelos outros machos. Nunca nenhuma fêmea reclamou de seu sexo, pelo contrário, o achavam generoso e viril.
— Creek, essa conversa... Olha, Fiber não deixou de ser o homem que é porque eu o deixei.
— Você o desvalorizou perante seus iguais.
Aruana fechou os olhos, incomodada com as palavras de Creek.
— Creek, eu não quis causar mal ao Fiber.
A mulher suspirou do outro lado.
— Eu acredito. Eu vi o que você sentia por ele, por isso não entendi sua fuga.
— Eu não fugi! - abriu os olhos.
— Não?
Aruana respirou fundo.
— Eu vou te explicar tudo.
— Não é para mim que tem que se explicar.
— Eu tentei! Ele não quis me ouvir!
— O que você quer? Fiber já sofreu muito.
— Eu quero... - lágrimas encheram seus olhos. — Eu preciso falar com ele. Eu... eu não aguento mais ficar sem ele.
Creek fez silêncio por um momento. Aruana já não conseguia segurar as lágrimas.
— Está sendo sincera?
— Creek, eu amo Fiber. Eu... nunca disse isso para ele.
— Diga agora.
— Acho que ele não quer me ouvir.
— Venha para cá.
— O quê?
— Diga pessoalmente o que tem que dizer.
— Creek...
—É a sua chance de mostrar para ele o que pensa.
— Eu não sei... E se ele não quiser me ouvir?
— Fiber mostrou para todas as pessoas que te amava e queria ser seu companheiro. É isso que você quer?
No silêncio que se seguiu, Aruana conseguiu ouvir as batidas do seu coração. Não havia mais espaço para hesitação em sua relação com Fiber. Ela teria que aceitar tudo ou nada.
— Você acha que Cedar autorizaria minha visita?
— Seria apenas uma visita?
— Não. - respirou fundo, enchendo-se de coragem. — Quero ficar com Fiber.
A voz de Creek soou animada.
— Arrume suas malas e venha.
— Preciso avisar Fiber.
— Não. Apenas venha.
— Tem certeza?
— Confie em mim. Vou falar com Cedar agora.
— Está bem. Está bem. Vou tentar uma passagem para amanhã de manhã.
— Quando chegar em Rio Branco me ligue.
— Farei isso.
Creek deu uma risada.
— Isso será maravilhoso!
As duas trocaram mais algumas informações e desligaram.
Aruana estava em choque. Faria realmente aquela loucura? Olhou para o relógio e deu um pulo, repentinamente revigorada. Acessou a internet no celular e começou os preparativos para partir.
Veria Fiber!
VOCÊ ESTÁ LENDO
Fiber: Uma história Novas Espécies 4
FanfictionQuando Fiber foi libertado do laboratório Mercille no Colorado, ele encontrou a sociedade das Novas Espécies estabelecida. Mesmo com todo o apoio da ONE, Organização das Novas Espécies, Fiber sente que não se adaptou totalmente ao mundo. Sente-se ma...