Capítulo 38

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Sentada no restaurante descolado na cidade de São Paulo, Aruana brincava com o copo de caipirinha. Chovia do lado de fora e ela esperava uma amiga jornalista. Se não estivesse tão determinada a ocupar sua mente, não sairia de casa naquele dia.
Fazia uma semana que saíra de Homeland III, uma semana que deixara Fiber, uma semana que ele quisera sua partida.
Deveria estar satisfeita, já  que o feedback que recebera da Many Tribes fora excelente; sua reportagem seria capa de Natal da revista. Ela sabia que a reportagem lhe traria outros trabalhos. Mas não havia nada que a animasse naqueles dias.
Somente para a avó contara sobre Fiber. A idosa a ouvira pacientemente, mas não emitira uma opinião no final. Aruana saíra frustrada da conversa, pois esperara que a avó lhe desse razão por ter deixado Fiber. Ela apenas lhe abraçara e dissera que sabia o que seria melhor para si.
Soltou um suspiro e tomou um gole da caipirinha. Tinha a certeza que sair de Homeland III fora a melhor atitude que tomara. Não conseguiria ser o que Fiber desejava e precisava. Tinha muito ainda o que viver e fazer para se enfurnar no meio da floresta amazônica. Estava certa!
Então, por que se sentia tão infeliz? Pensava em Fiber o dia todo, sonhava com ele. Certa noite acordara de um sonho intenso e, ao descobrir que Fiber não estava ali ao seu lado, chorara de tristeza.
— Oi, Aruana!
Aruana levou um susto com a voz da amiga.
— Magda, que susto!
— Estava tão distraída assim? - perguntou, se sentando.
— É.
— Ou pegou uma doença na floresta?
— Doença?
— Estou brincando. É mais fácil ter se apaixonado por um daqueles homens maravilhosos.
Aruna abriu a boca e seu rosto esquentou. Magda a encarou.
— O que foi?
— Nada.
Um garçom se aproximou e a amiga pediu um suco de laranja.
— Não vai pedir uma piña colada?
Magda deu um sorriso.
— Ficarei um tempinho sem beber.
— Por quê? - o sorriso de covinhas da amiga mexeu com sua curiosidade. Ela estava radiante. Franziu as sobrancelhas. — Estou pensando num motivo, mas é surreal.
— Arrisque.
Aruana sorriu para Magda, surpresa.
— Você não está grávida. Não está, não é?
— Gravidíssima!
— Magda! - segurou a mão da amiga. — Está falando sério?
— Estou!
— Mas... Você não pensava nisso!
— Eu não pensava, nem o Renato, mas aconteceu.
— E agora?
— Agora nós seremos pais.
— E como é que vão fazer isso? Você aqui e ele em Brasília?
— Renato vai se mudar antes do casamento.
— Casamento?
— É, ué. Se vamos fazer isso vamos fazer direitinho.
Aruana estava muito surpresa. Magda era como ela: independente, workaholic e não pensava em casar tão cedo, quanto mais ter filhos!
— E o Renato?
— Ah, ele ficou doido! Acredita que me fez ir numa feira de gestantes no domingo?
— Peraí. Desde quando você sabe? E está de quanto tempo?
— Estou na quarta semana. E sei há uma semana.
— Nossa!
— É uma reviravolta na minha vida, eu sei. Se eu tivesse que planejar ter um filho, não seria agora.
O suco de laranja chegou e Aruana esperou Magda tomar um gole.
— Ai, que delícia! - Magda sorriu para a amiga. — Você está com uma cara de espantada...
— Estou muito surpresa. Não esperava por isso quando você me ligou.
— Queria te contar pessoalmente.
Aruana sorriu.
— Você vai ser mamãe!
— Vou!
Magda fez sinal para o garçom e pediram os pratos. A amiga estava sempre de dieta, mas pediu um bife e espaguete.
— Massa?
— Tenho que ganhar forças. Há quase duas semanas o café da manhã não para no meu estômago. Procuro compensar durante o dia.
— E as saladinhas e frutas?
— Continuo comendo, mas estou incorporando substância. Não quero que a Carina sinta falta de nada.
— Carina?
— Eu escolhi o nome de menina e o Renato o nome de menino.
— E qual é?
— Arthur.
— Bonito.
Continuaram conversando sobre a gravidez. A comida chegou e Aruana estava cada vez mais impressionada com a aceitação da amiga. Enquanto comiam, observava a animação de Magda em ser mãe.
— E Londres?
Magda estava com uma proposta de trabalhar na capital inglesa.
— Desisti. Não quero que o bebê nasça longe dos meus pais.
Impressionante mesmo! - pensou.
— Quanta mudança, amiga. Não ficou com medo?
— Se eu fiquei? Ainda estou morrendo de medo, mas o que vai acontecer ultrapassa qualquer medo. O que importa é nós três sermos felizes.
Aruana balançou a cabeça, concordando, porém não deixou de pensar em Fiber. Ela colocara suas ambições e o medo acima do que sentia por ele.
Depois de tagarelar bastante, Magda mudou de assunto.
— É essa sua viagem, hein? Ficou quase três semanas lá.
— Fiz uma reportagem extensa.
— Estou doida pra ler. - Magda raspava com pão o molho do prato. — Me fale daquelas criaturas incríveis.
— As Novas Espécies? São incríveis mesmo. São muito sérios, mas têm um lado doce.
— Eu queria muito ver um de perto. São assustadores mesmo ou a beleza vence?
— São lindos e assustadores.
— E você não pegou nenhum? Nem por curiosidade? - brincou, bebendo o restinho do suco.
Aruana respirou fundo e resolveu ser sincera com a amiga.
— Eu me envolvi com um.
Magda se engasgou com a bebida. Começou a tossir e Aruana se levantou e deu-lhe tapinhas nas costas. O garçom se aproximou, oferecendo ajuda.
— Traga água, por favor. - pediu Aruana.
Magda se abanou com o guardanapo.
— Preciso saber dessa história!
— Primeiro você tem que beber a água.
O garçom voltou com a água e Magda a tomou,fazendo sinal para Aruana continuar.
— Vai acabar se engasgando de novo.
Magda secou os lábios.
— Tá, mas me conta logo!
Aruana suspirou.
— O nome dele é Fiber.
— Fiber? Fibra?
— É porque ele enfrentou muitas dificuldades e, bem, superou tudo.
— É um nome muito interessante. Mas, fale sobre ele? É bonito?
— Ai, é... Ele deve ter quase dois metros, é uma montanha de músculos e parece uma pantera.
— Nossa!
— A pele dele é bem escura e os olhos são amarelados.
— Igual aos de uma pantera. - os olhos de Magda brilharam. — E os dentes?
— Eles chamam de presas. São bem assustadores mesmo.
— Nossa, amiga, eu estou morrendo de inveja. - fez uma expressão conspiratória e perguntou baixinho. — E rolou sexo?
Aruana deu uma risada nervosa.
— Muito.
— Caramba! E é diferente com eles?
— Não posso falar por todos, mas Fiber... - seu olhar tornou-se sonhador. — Eu tive o verdadeiro sexo selvagem. Foi incrível...
— E por que está com essa cara infeliz? Não foi um lance legal?
Abaixando os olhos, Aruana torceu o guardanapo.
— Foi legal demais.
— Mas...
— Não terminou muito bem.
— Ele te maltratou? Ou foi insensível?
Aruana ergueu os olhos.
— Ele queria se acasalar comigo.
— Como é?
— É o casamento deles. Só que não existe divórcio.
— Nossa! E ele queria... acasalar com você?
— Queria.
Magda colocou as duas mãos sobre a mesa.
— E você não aceitou, não é?
— O que mais eu poderia fazer? Ficamos juntos menos de três semanas!
— Mas ele tinha certeza?
O rosto de Aruana queimou.
— Ele me mandou embora.
— Porque não quis ficar com ele?
— Foi. - respondeu, ainda se sentindo ofendida. — Ele sumiu e me deixou sozinha. Então eu voltei para São Paulo.
— Puxa, e eu achando que minha gravidez seria a grande novidade.
— E é. - segurou a mão da amiga. — Eu completei o meu trabalho, voltei para casa e tudo voltou ao normal.
Magda apertou sua mão.
— E eu vou perguntar de novo: Porque está com essa carinha infeliz?
— Não estou. Eu... - puxou a manga da blusa e mostrou o bíceps. Magda arregalou os olhos ao ver os hematomas.
— Ele fez isso?
— Não, claro que não. Foi uma Nova Espécie. Eles transavam antes de eu chegar e ela ficou com raiva.
— E te machucou?
Aruana abaixou a manga.
— É um outro mundo, Magda. As Novas Espécies têm muito de animais. São muito sensíveis, mas muito voláteis.
— É perigoso viver com eles?
— Pelo que pude ver, coisas podem acontecer. Essa mulher, a Leona, estava com ciúmes e eu pensei que ia me arrebentar naquela hora.
— Fiber não te defendeu?
— Ele não estava na hora. - suspirou. — Você entende? Ficar com Fiber é viver num mundo que parece humano, mas pode ser muito selvagem.
— Mas há outras mulheres. Inclusive que tiveram filhos.
— O que quer dizer?
Magda lhe deu um olhar suave.
— Algumas mulheres aceitaram viver no mundo deles.
Aruana franziu as sobrancelhas.
— E eu deveria aceitar viver na floresta e me arriscar constantemente?
Magda apertou os lábios e hesitou.
— Mas você parece tão infeliz...
— Não estou. Vivo na maior cidade do país e tenho uma profissão significativa., tenho meu apartamento e uma vida social ativa. Voltei para casa semana passada e já recebi duas propostas de trabalho. Como poderia estar infeliz?
— Me responda você, amiga.
Aruana sentiu seus ombros cairem. Deveria estar feliz... Pela sua mente passou o rosto de Fiber e de como ele a olhava fazendo-a sentir-se a mulher mais especial do mundo.
— Eu fiz a escolha certa, Magda. Minha vida está aqui.
Magda piscou os olhos e Aruana viu compaixão neles.
— Se é o que pensa...
— É o que eu penso.
Depois de um longo momento de silêncio, Magda voltou a falar.
— Então vamos discutir sobre o vestido que usarei no casamento.
— Isso.
— E você será a minha madrinha.
— Uau!
Magda continuou a tagarelar e Aruana se esforçou para acompanhar a animação dela.
Por dentro sentia um vazio que nunca sentira antes, porém esperava que passasse logo. Ela fizera a decisão certa, era o melhor para ela.

Fiber: Uma história Novas Espécies 4Onde histórias criam vida. Descubra agora