Capítulo 40

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Aruana estava em pé ao lado da noiva na pequena igreja rural. O pastor terminava de oficiar o casamento e agora dizia o famoso eu os declaro marido e mulher. As poucas dezenas de convidados aplaudiram o casal que saiu da igreja ao som de Oh, happy day.
Ela tinha a certeza que estava sendo um dia muito feliz para a amiga. Num vestido curto e exibindo a sua barriguinha, Magda estava radiante.
Aruana atravessou a nave da igreja e, seguindo o casal, foi pegar o carro que a levaria até o hotel-fazenda onde estava hospedada desde a noite anterior e onde seria a recepção. O dia estava lindo, um pouco quente, mas permitia que todos apreciassem o sábado escolhido para o casamento.
Para ela o dia era inesquecível por dois motivos: o casamento da sua amiga e o lançamento da revista com sua reportagem.
Aproveitou o dia festivo, porém aguardava chegar em casa para ler a revista. Poderia vê-la digitalmente, mas gostava da versão impressa.
Na hora de lançar o buquê, Magda apontara diretamente para ela, contudo as animadas solteiras não deixaram as flores chegarem perto dela. Mas Aruana não estava interessada no buquê. Não havia espaço na sua vida para um casamento, afirmava diariamente para si mesma.
Quando voltou para a capital, estava mais do que agitada. Em quase dois meses não acessara o seu material da reportagem para a Many Tribes,  mas estava curiosa para ver a edição que a revista fizera.
Entrou no seu prédio e foi direto para a portaria.
— Seu Manuel, tem correspondência para mim?
— Tem, sim. - o homem pegou a revista e mostrou a capa. — Depois a senhora me empresta?
— Claro.
— Fiquei muito curioso para ler sobre as Novas Espécies. Eu sigo este assunto há dez anos.
— A reportagem é minha.
— Sério? A senhora viu as criaturas de perto?
— Essas pessoas são bem humanas, seu Manuel.
— Ah, mas são outra coisa também, né? E então, a senhora viu?
— Fiz amizade com alguns.
— E como eles são?
— Muito sérios, mas abertos à amizade.
— São fortões mesmo?
— São. - um fortão em particular passou por sua mente.
— Queria ver de perto.
Aruana deu um sorriso sem jeito e foi para o elevador. A capa já causava uma impressão forte: Creek olhava sobre o ombro, atenta à alguém atrás dela. Seus longos cabelos voavam ao vento e estava com os lábios entreabertos deixando ver a ponta das presas. Os olhos mostravam um pouco de mistério e provocavam a imaginação. Seu rosto mostrava força e sensualidade. Creek estava lindíssima!
O elevador chegou e ela entrou já abrindo a revista na página central e lá estava sua reportagem. Engoliu em seco com as fotografias escolhidas; mostravam o dia a dia de Homeland III. New mostrava para um sorridente Felipe um enorme repolho. Em outra foto dois Novas Espécies patrulhavam o muro, atentos, segurando fuzis. Uma foto fez seus olhos perderem o foco por um instante: era a luta de Fiber e Blade. Seus corpos brilhavam de suor e pareciam muito concentrados. Um arrepio percorreu o corpo de Aruana. Fiber estava estampado em todo seu másculo resplendor.
Ela terminara aquele dia com ele, temerosa de que houvesse se ferido gravemente e se apaixonara um pouquinho pelo homem imenso e de aparência feroz, mas que parecia tão frágil naquele leito do Centro Médico.
Começou a ler a reportagem. Seu texto mostrava toda a fascinação que as Novas Espécies lhe haviam causado.
Quando a porta do elevador abriu no seu andar ela revezava entre ler a reportagem e olhar as fotografias. Uma foto que tirara de alguns Novas Espécies almoçando tinha uma legenda engraçada mostrando os pratos enormes que eles, homens e mulheres, consumiam. Aruana riu, lembrando de como se chocara com a carne quase crua que Fiber comia.
Abriu o apartamento sem tirar os olhos da revista. Trancou a porta e se jogou no sofá. Virou a página relembrando cada momento em que tirara as fotografias. Eram tão sinceras em retratar aquele povo sofrido, mas vencedor!
Uma foto mostrava Estela e Leona concentradas em algo na tela de um computador. Franziu as sobrancelhas ao lembrar da mulher agarrando-a na exposição. Sentiu um mal-estar ao pensar que ela poderia ter ficado com Fiber após sua partida.
Voltou a página e admirou novamente a fotografia com Fiber. Passou a ponta dos dedos sobre a imagem, a lembrança do calor daquela pele fazendo-a sentir-se quente. Ela estivera entre aqueles braços musculosos, ela beijara o peito amplo, ela sentira o gosto daquela pele...
As memórias que tanto evitara invadiram sua mente de uma vez. Sentiu os cabelos dele roçando em sua pele quando descia por seu corpo plantando beijos. A sensação das mãos dele lavando seus cabelos retornou vividamente. Sentiu o aroma do ar à noite, quando ele a levava para jantar.
Não conseguiu impedir as lembranças que a atingiam como facadas em seu coração. Lágrimas pesadas escorreram por seu rosto e ela se abraçou, sentindo tanto a falta de Fiber que seu peito doía.
Logo os soluços se transformaram num pranto sentido. Como ela imaginara que poderia esquecer aquele homem? Que loucura a convencera de que conseguiria voltar à sua vida normalmente depois de ter vivido com ele?
Deitou-se no sofá lembrando do rosto de Fiber quando pedira que ela fosse embora. Ele estava com raiva, porém mostrava uma profunda decepção. Ela o magoara demais...
Da rua chegou um anúncio num alto falante de um carro prometendo a chegada de Papai Noel num shopping badalado. Ela se lamentou ao entender porque naquele ano o Natal parecia tão distante; era porque não sentia alegria nenhuma e sentimento nenhum de boa vontade e paz na Terra. Só queria que os sentimentos natalinos passassem rápido e assim ela poderia viver sua tristeza em paz. Mas agora não; queria sua alegria de volta.
Olhou novamente a foto de Fiber. Aquele homem se considerara seu. Ele se dera para ela e tudo o que pedira era que fosse sua também.
Ela se negara em nome de uma liberdade e carreira que não a motivavam mais. Passara aqueles quase dois meses se arrastando, se sufocando em sua necessidade por Fiber.
Ela já ouvira eu te amo outras vezes, mas em nenhuma delas tivera receio de perder o que considerava essencial à sua vida, porque não se importara com aquelas declarações. Com Fiber ela teria que começar outra vida, uma em que precisaria abrir mão de ser única para tornar-se nós.
Já não pensava se conseguiria viver na colônia Nova Espécie; sua dúvida era se conseguiria viver sem Fiber. Até ali estava sendo um fracasso.
Tinha dificuldade em se imaginar como uma mulher casada e gerenciando sua vida em Homeland III, porém era impossível se ver vivendo mais um dia sequer naquela vida infeliz.
Olhou ao redor do seu apartamento. Ele representava sua vitória profissional e cada objeto  lembrava-a de sua independência e liberdade. Mas não encontrava mais o aconchego que sempre sentira ali. Queria estar numa cabana no meio da floresta, estar sentada num sofá agarradinha com Fiber. Precisava ser acordada de manhã com ele lhe fazendo amor, passar o dia sabendo que ele estava pertinho.
Respirou fundo. Estava pronta para mudar sua vida? Estava disposta a ser consumida por um amor tão grande?
Ficou em pé e olhou para a revista aberta no sofá. Queria estar em Homeland III!
Com as mãos tremendo muito pegou o telefone celular de dentro da bolsa. Selecionou o contato de Fiber e ficou um longo tempo acalmando o seu coração, certificando-se de que não agia por um impulso insensato.
Respirou fundo novamente e apertou o botão de ligar.

Fiber: Uma história Novas Espécies 4Onde histórias criam vida. Descubra agora