Fiber terminava de amarrar o cadarço da bota quando ouviu uma batida na porta. Se perguntou quem era, pois os seus amigos simplesmente entravam direto.
— Um momento. - gritou para a sala.
Voltara a trabalhar há alguns dias, mas tudo parecia diferente. Assumia seu posto na segurança ainda de madrugada e trabalhava até o horário de jantar e voltava para o trabalho até tarde. Seus amigos tentavam atraí-lo para algum divertimento e duas fêmeas chegaram a oferecer compartilhar sexo, mas nada o interessava.
A única distração do trabalho era dada por Estela e Ven que traziam Peace todas as manhãs para vê-lo. Ele não sabia como era ser um pai, entretanto sentia-se feliz em fazer parte da vida do garotinho.
Uma noite sonhara com Aruana grávida e ela sorria para ele, enquanto acariciava o ventre onde estava o fruto do amor deles. Acordara sentindo lágrimas quentes escorrerem por seu rosto.
Viver estava sendo muito difícil...
Respirou fundo e se ergueu indo para a sala. Quando chegou na porta inspirou reconhecendo o cheiro do seu visitante. Abriu a porta para confirmar que era Leona.
Ela estava parada à penumbra da madrugada. Usava o uniforme completo da ONE; um pouco afastados estavam Creek e Sky.
— Olá, Fiber.
Aquela era a primeira vez que a via depois do que acontecera com Aruana.
— Leona.
A fêmea o olhava parecendo constrangida.
— Eu pedi ao Cedar para vir aqui. - Fiber ficou em silêncio. — Fui mandada para os Estados Unidos. Vou para a Reserva. - Fiber olhou para os dois espécies que assistiam de longe. — Vim me despedir.
Ele não sabia o que dizer. Até alguns dias ficava furioso quando pensava em Leona ferindo Aruana, mas aos poucos passara a, pelo menos, entender a atitude da fêmea. Se Leona sentisse por ele uma parte do que ele sentia por Aruana, chegava a compreender seu desespero, contudo não aceitava.
— Você não vai dizer nada? - ela perguntou, mostrando insegurança.
— O que espera que eu diga, Leona?
Ela engoliu em seco.
— Eu... espero que você me perdoe pelo que fiz.
— Está arrependida?
Leona olhou para o chão.
— Estou, porque sei que magoei você. A... Aruana... ela partiu por minha causa.
Fiber admirou a fêmea à sua frente. Leona sempre fora gentil com ele, doce e apaixonada ao compartilharem sexo e ele realmente antes não tinha nenhum motivo para odiá-la.
— Não foi apenas por sua causa.
Ela ergueu o rosto.
— O quê?
— Ela partiu, porque queria voltar para a vida que tinha na cidade.
— Mas... E vocês? Estavam vivendo juntos.
— Era provisório.
Leona ficou um momento com os lábios entreabertos.
— Eu pensei que tinha sido minha culpa.
— Você teve culpa. - ela mordeu o lábio inferior e ele se lembrou o quanto foram amigos. — Pense nisso como uma aprendizagem. Nunca mais ataque alguém se não for para se defender.
— Sinto muito, Fiber. É que...
— Leona, vamos. - chamou Creek.
Leona a olhou e virou-se novamente.
— Eu perdi a cabeça, Fiber. Fiquei tão louca de ciúmes que pensei... eu quis... desculpe-me, quis matar Aruana. - Fiber balançou a cabeça, entendendo. — Eu ainda... Eu te amo. Te amo demais. Deveria ter dito antes, mas achei que não estava pronto.
— Deixe para lá.
Os olhos dela encheram de lágrimas.
— Eu vim para Homeland III por sua causa. Eu achava que você poderia se afeiçoar a mim.
— Eu não sabia.
— Eu te queria tanto e te ver com uma humana... - Leona passou os dedos sobre as lágrimas. — Eu ainda te quero muito.
— Sinto muito.
Sky e Creek começaram a se aproximar.
— Você pode pedir para eu ficar... - ela pediu, tocando em seu peito. — Eu te darei todo amor que você merece.
Creek segurou o ombro de Leona.
— Está na hora de ir.
Leona balançou os bastos cabelos ruivos e se colou a ele.
— Fiber, é só você pedir.
Fiber segurou suas mãos e afastou do seu peito.
— Você recebeu um castigo e deve segui-lo.
— Não... - as lágrimas voltaram a correr no rosto dela.
— Você foi uma boa amiga, mas machucou a mulher que amo. Não posso esquecer.
— Ela não ficou com você! Ela te deixou!
Creek puxou Leona pelo braço.
— Vamos, querida.
A fêmea tentou se soltar, porém Creek manteve o aperto firme.
— Eu não quero ir, Fiber!
Sky segurou o outro braço de Leona e, junto com Creek, a arrastaram para fora da vila. Fiber ficou em pé no escuro, os punhos apertados, pensando na covardia do destino. Leona o amava como ele amava Aruana. Lamentou sinceramente que a amiga sentisse a mesma dor que ele sentia.
Sentiu uma imensa vontade de voltar para a cama e dormir até que a dor passasse. Respirou fundo e tomou coragem de enfrentar mais um dia. Ele já passara por muito sofrimento para se entregar agora.
Viveu aquele dia, outro e mais outro. Os dias se transformaram em semanas e as semanas em mais um mês. Ele procurava se fortalecer, esquecer Aruana, para voltar a ser quem era. Só não sabia se um dia conseguiria.Aruana caminhava pelo parque do Ibirapuera procurando manter um ritmo forte. Aproveitava a manhã raramente fresca do final da primavera para gastar os quilinhos que ganhara nos últimos meses.
Era muito cedo e o parque ainda estava vazio. Ela acordava todos os dias no início da manhã, saía para caminhar, voltava para casa e depois de uma ducha se dedicava ao trabalho. Na última semana estava trabalhando no escritório de um grande jornal, produzindo conteúdos multiculturais. Ainda não sabia se continuaria trabalhando naquela redação por mais tempo.
Para dizer a verdade, tudo ultimamente parecia transitório. Era como se estivesse prestes a sair sem rumo. Se não fosse o casamento de Magda talvez tivesse pego algum trabalho freelancer fora do país.
Admirou a beleza do parque público. Logo estaria cheio de crianças, carrinhos de bebê e de adolescentes matando aula. A vida não parava.
Por que eu sinto, então que minha vida parou? - pensou, desanimada.
Tudo ao seu redor lhe lembrava Fiber. Uma árvore bonita, o canto de um pássaro, a brisa morna... Ela o imaginava em cada canto do seu apartamento. Deitado no sofá com a cabeça no seu colo, abraçando-a no entardecer na varanda, rolando com ela nos seus lençóis de algodão egípcio. Chegara a pensar que estava enlouquecendo!
À noite ficava na cama, pensando nele, lembrando em como faziam amor e seu corpo queimava numa necessidade frustrada. Aceitara sair com um homem para tentar tirar Fiber do seu corpo, mas tudo que conseguira fora uma noite entediante.
Ela sentia sua falta, sentia saudades da sua voz, ansiava pelos olhares profundos que ele lhe dirigia. A saudade doía.
Saiu do parque e pediu um carro de aplicativo. Voltaria para casa e se prepararia para mais um dia de trabalho.
Enquanto esperava pelo transporte, sua atenção foi atraída para um casal que corria. O homem era grande e tinha longos cabelos escuros. A mulher ria ao seu lado, pois ele estendia o braço e lhe dava tapinhas na bunda.
Ela se lembrou de como era fácil rir com Fiber. Ele era tão sério, mas tornava seus momentos leves.
O homem pegou a mulher de surpresa e a levantou no colo. Ela fingiu brigar, entretanto sua gargalhada encheu o ar.
Aruana sentiu seu rosto esquentar e seus olhos marejarem. Sobressaltou-se. Desde quando a visão de um casal feliz a fazia chorar?
Desviou o olhar e colocou os óculos escuros. Tomara uma decisão madura sobre Fiber e deveria estar tranquila sobre o que escolhera.
O carro chegou e ela se jogou dentro, desejando que nunca tivesse aceitado aquele trabalho da Many tribes.
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Fiber: Uma história Novas Espécies 4
FanfictionQuando Fiber foi libertado do laboratório Mercille no Colorado, ele encontrou a sociedade das Novas Espécies estabelecida. Mesmo com todo o apoio da ONE, Organização das Novas Espécies, Fiber sente que não se adaptou totalmente ao mundo. Sente-se ma...