2 - Um amigo improvável

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Isabelly Moretti 

Minhas mãos tremem, úmidas, enquanto meu coração parece querer escapar do meu peito. Encaro aqueles rostos sérios na sala de aula da Harvard, meu sonho de longa data, mas para meu pai, parece que nada é suficiente. Harvard tornou-se meu pior pesadelo, um fardo que carrego com a esperança de fazer jus às expectativas.

Com apenas 15 anos, alcancei o feito de terminar o ensino médio. Como? Experimente passar das 5h da manhã até as 17h da tarde estudando todos os conteúdos possíveis apenas para ter algo em comum com meu pai e poder conversar. Eu queria que ele visse o meu potencial, que se orgulhasse de mim. E consegui. Formei-me como a primeira da turma, tornando-me a graduanda mais jovem de Harvard, com a ajuda dos advogados de meu pai.

Logo em seguida, mergulhei em um curso intensivo em software. As palestras se tornaram parte da minha rotina, convidada a inspirar jovens a buscar o ensino superior. Recebi medalhas e reconhecimento, elevando-me além das expectativas da classe. Mas mesmo nesse sucesso, a sombra das exigências familiares persiste.

Minha mãe, por sua vez, não foi diferente. Cursos de moda, etiqueta e defesa pessoal preencheram meu dia a dia. Minha vida é uma série interminável de atividades, uma agenda tão repleta que mal me resta tempo para respirar. Às vezes, questiono se me manter ocupada foi uma estratégia para evitar que eu interagisse com o resto dos Morretti. Nunca tive a oportunidade de brincar com meus primos ou simplesmente sair com eles. Estive sempre imersa nessas atividades que meus pais criaram para moldar meu futuro.

A pressão para ser perfeita, para estar à altura das expectativas familiares, torna-se esmagadora. O brilho da conquista é constantemente ofuscado pela sombra da responsabilidade, e, em meio a todo esse sucesso, a solidão persiste como uma companheira silenciosa nos corredores de Harvard.

Estou praticando a respiração, agradecendo pelas lições de natação que me ensinaram a controlar o ritmo cardíaco. Caso contrário, já teria sucumbido a um ataque de pânico diante das expressões sombrias que estão direcionadas a mim.

Após uma espera interminável de 15 minutos, os dois professores à minha frente começam a fazer anotações.

A professora Rubi, uma mulher de cabelos loiros que parecem carregar o peso de inúmeras preocupações, passa a mão pelos fios várias vezes. Seu gesto parece revelar a tensão que está presente no ar. Ela tamborila as unhas longas e pintadas de vermelho na mesa algumas vezes, criando uma trilha sonora de nervosismo. Ajusta seus óculos com precisão, destacando seus olhos verdes que, ao invés de refletirem calma, emanam uma aura de autoridade imponente.

Enquanto isso, o Professor Tomaz, com seu olhar sério e barba bem cuidada, mantém uma expressão insondável. Seus olhos, por trás de óculos de aro grosso, percorrem as páginas do meu trabalho com uma intensidade que me faz estremecer. Cada traço do rosto dele parece esculpido pela experiência, uma testemunha silenciosa de incontáveis avaliações.

Sinto minhas pernas começarem a fraquejar, então desvio meu olhar para o ambiente ao meu redor. Uma sala de aula comum, paredes brancas que refletem a luz do teto, e o chão de porcelanato imitando madeira adiciona um toque de elegância ao espaço.

Meus olhos vagueiam até a janela, onde a luz do sol ainda brilha. O calor envolvente contrasta com o gelo que percorre minhas veias. Meu coração acelera, e sinto minha garganta apertar, lutando para controlar a ansiedade que ameaça me dominar. O silêncio da sala é interrompido apenas pelos sons abafados do lápis riscando o papel e pela batida regular do meu próprio coração, criando uma sinfonia de tensão no ar.

— Senhorita Moretti! — a professora Rubi chama meu nome com sua voz suave, interrompendo meus devaneios. 

Eu a encaro com confiança, sem desviar o olhar. Observo em silêncio, enquanto ela ajeita seus cabelos loiros e me cumprimenta com um enorme sorriso.

ILEGAISOnde histórias criam vida. Descubra agora