61 - Um caso do acaso

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Hoje marca o início de uma nova jornada para mim. Este é o meu primeiro dia de trabalho após a tormenta que foi a minha vida recente, e finalmente, sinto-me preparada para recomeçar. Ainda carrego no peito a dor profunda, um vazio que parece insaciável. Contudo, há uma centelha de esperança que sussurra que as coisas podem melhorar, que o peso dessas experiências cruéis deixará de moldar quem sou.

Passei tempo com Ken, compartilhei risadas com Lethicia e Romeu, e desfrutei de uma reconfortante refeição ao lado de Vittorio, que veio me visitar. Foram dias de uma pausa necessária.

À medida que adentro a cozinha, os sons dos meus saltos ecoam pelo chão, misturando-se ao aroma acolhedor de bacon, ovos e café que permeia a casa.

— Bom dia. — Cumprimento mamãe e papai.

Ambos sorriem calorosamente enquanto sirvo-me de bacon e ovos, sentindo a textura e o sabor que há muito tempo não apreciava.

— Querida, sua chefe será a senhorita Emily Taylor. Ela é recém-chegada ao cargo, tem 31 anos e é uma especialista no que faz.

— Obrigada, pai. Pode ter certeza de que darei o meu melhor. — Respondo, tomando um longo gole de café. — Será que depois do trabalho posso ver Allan? — pergunto, encarando meu pai.

Observo que Donato Moretti engole em seco, seus olhos marejados refletem a dor que ele tenta esconder, mas que eu entendo.

— Ele se recusa a receber qualquer visita. Não quer ver ninguém. Conversamos com os psiquiatras e parece que ele está apresentando um quadro clínico de transtorno pós-traumático. Não fala com ninguém a meses.

— Eu... eu sinto muito. — Minha voz mal consegue expressar toda a tristeza que sinto.

Ele coloca a mão sobre a minha, tentando ser gentil.

— Não é sua culpa, meu amor. Nós tivemos sorte de não ter te perdido aquele dia... E coloque um sorriso no seu rosto, hoje é um dia especial.

— Tudo bem — Minto, forçando um sorriso que não alcança meus olhos.

Termino o meu café e me levanto, dando um beijo na bochecha do meu pai. Ele sorri do mesmo jeito de sempre, mas sei que também carrega um peso em seu coração.

— Quer uma carona, querida?

— Não, vou indo na frente. Não posso me atrasar no meu primeiro dia de estágio. — Informo com um sorriso e dou uma piscadela, tentando transmitir um pouco de otimismo.

Vou até o sofá e pego minha bolsa, que havia deixado ali. Sinto o peso do tecido em minhas mãos, em seguida caminho em direção à saída, desejando um abraço reconfortante e a liberdade para chorar por tudo o que estou sentindo agora. Mas, não posso, não dá.

Uma sensação de vazio me consome, e ainda não compreendo por que perdi meu propósito. Talvez, mergulhando no trabalho, encontrasse alívio; talvez, concentrando-me em algo, me sentiria melhor. São mentiras que conto para mim mesma. No entanto, permanecia estranha, deslocada em minha própria vida.

Chego à garagem e me deparo com um Audi envolto em preto fosco, uma fita vermelha presa à chave com um bilhete.

"Para minha princesa, feliz aniversário."

Um sorriso surge em meus lábios ao ler as palavras escritas. Pego as chaves, sentindo a textura fria do metal em minhas mãos.

— Donato, sempre tão humilde com os presentes. — Murmuro entre risos enquanto me dirijo ao veículo.

Sento-me, apreciando o toque suave do couro em minhas costas. Ao ligar o carro, sinto a familiaridade da potência sob meu controle. Acelero, deixando para trás os portões de minha casa.

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