Epílogo

64 11 6
                                    

A minha coroação acontece um mês após a queda de Vêrmenia. Estou espiando através da porta a quantidade de convidados que enche a sala do trono. Aristocratas e nobres de Allen que viajaram para assistir, lotando os assentos no primeiro e segundo piso. Não há representantes de Gralaham, mas tampouco me importo, enviei convites por cortesia mas no fundo não queria os cúmplices do incêndio ao orfanato em meu salão. Quara e Mobdok estão na primeira fila em nome de Lunar, por terem se mantido de fora na disputa entre conselheiros e rebeldes, não me faz surpresa que agora com a vitória ganha, o seu apoio a mim seja tão explícito. Alena preferiria mantê-los de fora como punição por negligência, mas eu realmente não queria começar meu governo destruindo futuros aliados por uma questão de ego. Querendo ou não, Quara havia me ajudado quando estive em Eyja.

Edgar estava do outro lado, seguido de Levesnør, ambos muito bem vestidos e alinhados. O pirata agora é um homem livre assim como prometi em nosso acordo, com terras e títulos ao Norte de Allen. O desgraçado nunca esteve tão convencido, por um momento até pude ver um sorriso surgir no rosto sarcástico do antigo exilado.

Eu sabia que havia muito trabalho pela frente, que a destruição da guarda levaria tempo e esforço. Mas o fato dos fronts na fronteira terem terminado já era um grande passo, Eyja não era mais um inimigo, e enquanto a coroa estivesse sobre minha cabeça jamais seria. Um contrato havia sido redigido e a minha promessa há Edgar cumprida. Claro que muitos discordaram do acordo à princípio, me levou dias de reuniões intermináveis para tentar convencer os últimos militares que haviam se ajoelhado perante mim, de que um acordo era melhor do que uma guerra para provar quem estava certo.

Allen tinha enraizado em si muitos costumes, soberba e miséria. Coisas que estavam nos corações das pessoas e que não poderiam ser arrancadas de uma vez, desconstruí-las era um trabalho cauteloso e delicado.

Eu estava prestes a atravessar aquela sala, ciente do que me esperaria no final do patamar elevado. Uma coroa, um cedro e um trono entrelaçado há uma centena de expectativas com promessas de esperança. Não era apenas uma vitória, mas sim o começo de algo muito maior do que uma simples definição de cargo. As pessoas se lembrariam daquele dia, do momento em que Allen se reergueu.

A cerimônia começa ao anoitecer. Braseiros ardem e o salão reluz em jóias e incenso. O caminho que leva até o trono está coberto de pétalas de flores brancas. Estou usando um vestido completamente prateado com brilho, jóias e bordados incrustados no tecido pesado, assim como detalhes em negro que entran em harmonia com minha maquiagem pesada de mesmo tom. Sem sucesso, tento parar de tremer. O dia é grandioso, o vestido é pesado e os olhos de todo o reino estão atentos sobre mim.

— É a sua deixa. — Helena diz tocando meu braço com carinho. Agora a mulher que esteve comigo desde o princípio era uma dama de companhia, não mais uma simples criada. Tinha uma casa na cidade para chamar de sua com sua própria biblioteca. — Está divina, majestade.

Rindo do meu nervosismo sinto o orgulho no olhar da minha antiga criada e fico um pouco menos tensa.

— Agora todos vão me chamar assim, — me dou conta encarando as pesadas portas que me esperam, um futuro inteiro pela frente. — esse vai ser o meu nome pelo tempo em que o meu reinado durar.

— E durará muito, estou certa disso. — Helena confirma, com um quê de admiração na voz. — Depois de tudo o que passou, realmente merece isso.

Confirmo com a cabeça, agradecendo-a pela lealdade num mundo de traições. E então, dou os pequenos passos necessários para os guardas entenderem que poderiam abrir as portas duplas. O medo volta com força total quando todos os convidados se levantam para me ver passar. Sou uma figura congelada num quadro intocável, uma mulher de queixo erguido e olhos fixos num único objetivo. Vejo meus tios por entre os convidados; da forma que pude os perdoei, lhes concedi uma casa e um salário para terem uma vida digna, mas no fundo não tenho muitos desejos de mantê-los próximos de mim, nossas relações nunca seriam melhores do que o tolerável. Certas coisas não podem ser consertadas, não importa o quanto tentemos. Há feridas que jamais cicatrizaram o bastante para deixarem de existir.

Rainha de Ferro Onde histórias criam vida. Descubra agora