Capítulo 05 - Parte I

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O bater de talheres no prato era a única coisa ouvida naquele cômodo. Guilherme olhava a sobrinha vez ou outra, preparando-se para questioná-la sobre o ocorrido e sua repentina suspensão de uma semana. Anahí mal tocara na comida, geralmente era assim, alimentava-se mal e devido a isso estava magra e sem cor, porém a beleza ainda reluzia nela.

O senhor de idade um pouco avançada fixou seu olhar sobre Anahí e recordou-se de sua mãe: longos cabelos loiros com cachos nas pontas que caiam como cascatas sobre as costas e ombros, o rosto delicado e os belos olhos azuis. Sem sombra de dúvidas, ela era a cópia viva daquela que partira muito cedo. Além de ser sua única família, Anahí era a dona de todo o seu amor e dedicação desde que nascera. Não era fã de demonstrar seus sentimentos pelas pessoas por julgar que isso o faria frágil e fraco. E naquele momento sentiu falta das gargalhadas altas e contagiantes daquela que estava a sua frente. Largou os talheres sobre o prato, limpou a boca em um guardanapo e clareou a garganta.

- Recebi uma ligação hoje da escola. – falou calmamente, ela encolheu os ombros e parou de brincar com a comida largando os braços ao lado do prato. - O que houve para que fosse expulsa?

- O senhor não acabou de falar que recebeu uma ligação? – deu de ombros, o tio assentiu - Então já tem conhecimento do que ocorreu esta tarde na escola.

- Eu quero a sua versão. – a voz dele saiu rude, Anahí soltou o ar vagarosamente pela boca - Tive duas versões diferentes hoje, e me interessaria muito ouvir a sua.

- E fará alguma diferença?

- Sou eu quem lhe dou um teto e te alimento, mereço saber de você e não de outras pessoas!

Porque o tio sempre tinha de jogar isso na sua cara? Como se não bastasse toda aquela humilhação e rejeição na escola, em casa o tio também era cruel. Respirou fundo e fechou os olhos, recordando-se do que houve aquela tarde.

- Deixe-os fora disso Jorge. – pediu o olhando séria - O senhor me conhece desde quando era um bebê. – tragou saliva, respirou fundo e comprimiu os lábios em seguida - Eu os obriguei a isso, fiz uma cara de coitadinha e ganhei aliados. – estalou os dedos da mão esquerda - A culpada sou eu.

- Eles são bolsistas! – exclamou, como se o fato disso ser algo contagioso, sujo e nojento.

- E tão alunos quanto qualquer outro dessa instituição. – rebateu raivosa, cerrou os punhos e bateu as mãos no apoio do braço da cadeira três vezes - Que a culpa disso tudo caia sobre mim – apontou para si - Não me importo – soltou um riso pelo nariz e deu de ombros - Afinal eu sou a vergonha dessa escola, não é mesmo?

- Realmente quer isso senhorita Puente? – Jorge questionou arqueando as sobrancelhas, tentando intimidar a loira, não acreditando muito naquela mudança repentina dela que, pela primeira vez desde o acidente, voltava a ser o que era antes: audaciosa, petulante, sem papas na língua e dona de uma personalidade forte.

- Arcarei com as consequências.

- ANAHÍ! - Guilherme gritou batendo as mãos cerradas sobre a mesa, a fazendo abrir os olhos.

- Não há o que ser dito. – puxou o ar e o soltou com calma - Eu não pedi para estar aqui, não pedi para meus pais falecerem! – murmurou entre os dentes, controlando sua vontade de chorar por lembrar-se daquilo.

E sua mãe sempre falava que o tio era um bom homem, porém onde estaria o bom homem agora? Nunca, em toda a sua vida, presenciou algum ato de carinho vindo de seu único tio. Analisou-o, Guilherme lembrava muito o seu pai, a não ser pelos cabelos grisalhos, óculos e idade mais avançada. Como desejou que fosse o pai ali naquele momento. Magoada, retirou-se da sala de jantar.

- Seja forte, não permita que riam de você. É uma Puente Portilla! – ouviu a voz do tio soar firme atrás de si quando estava saindo pela porta.

Guilherme observou-a sumir pelo corredor, levantou-se da mesa um tanto desgostoso pela atitude da sobrinha. Não poderia negar, era uma legítima Puente. Assim como ele e o irmão, a sobrinha era teimosa, geniosa e com uma personalidade incrivelmente forte.

- Leve o jantar de Anahí em seu quarto, ela precisa se alimentar. – disse a fiel empregada Antônia, e a única que parecia agradar Anahí, e quando ela retirou-se, enxugou uma lágrima solitária.

- E foi isso o que ouve. - lamentou - O senhor não pode permitir isso! - praticamente ordenou, e Guilherme soube que havia escolhido a pessoa certa para para ficar de olho na sua menina - Anahí não merece que a humilhem dessa forma, é desumano! - finalizou demonstrando toda a sua ira com relação aos maus-tratos.

- Eu sei - suspirou - Confio em você para que me deixe informado de tudo o que acontece naquele lugar.

- E o que o senhor irá fazer? Vai denunciá-los não vai?

- Não farei nada. - respondeu grosseiramente - Apenas continue de olho e me relate tudo, você é o meu olho nessa escola.

Nada poderia ser feito ou ele também arcaria com as consequências. Anahí teria de ser forte, extremamente forte e aguentar todas aquelas humilhações. Ele entendia perfeitamente como era ser rejeitado.


Love, AnahíOnde histórias criam vida. Descubra agora