「 4.1 」

1.1K 178 29
                                    

\ can you see me? /
/ pov. min yoongi \

﹏﹏﹏

Motivo número um para você nunca se meter em uma briga: o sermão de mais tarde.

Jamais tinha visto meus pais tão irritados assim em toda a minha curta e predestinada vida. Cada xingão vindo de minha mãe, a cara de decepção de meu pai, foram a parte mais dolorosa de se estar hospitalizado.

E infelizmente, nenhum médico havia inventado um remédio que curasse dor na consciência.

Fora mais duro ainda, na hora que contei exatamente o que tinha acontecido, cada detalhe que ocorreu – retirando a cena do beijo –, e adicionando que aquilo não foi a única vez.

Depois que disse isso, a expressão de mamãe passou de irritada para preocupada.

E mudou novamente. Um misto das duas, provavelmente.

Alguns minutos já se passaram desde que eu tive a conversa, e as dores corporais eram a única coisa que me distraiam das armadilhas da mente. Pensamentos e lembranças tóxicas, cada palavrinha e o rosto de meus pais gritando tudo o que ela sentia dentro de si, despejado logo ali.

Exatamente. Eles podem não ter percebido, mas acabaram, sem querer, soltando tudo o que sentiam em relação à mim para fora. Eram sentimentos cruéis e dolorosos demais para serem carregados. E todos foram despejados em mim disfarçados com um sermão.

Pensar no que meus pais passavam todos os dias, tendo que encarar a dura realidade deles, e esconderem isso do mundo, mascarando em alegria e esperança, me faz acreditar no quão mínimo eu me esforço em relação à luta deles por mim.

É isso. Eu sou um filho da puta de um ingrato mimado.

Que, além de reclamar ou implorar para a chegada da sua morte, apenas pensava no que acontecia ao seu redor. Alguém que nunca viu o "outro lado" da coisa. Incluindo, as vidas que existiam ao seu redor.

Eram muitas vidas para poder se contar.

Meus pensamentos são interrompidos com um clique vindo da porta, e meu coração se aquece ao ver quem é.

— E como vão as coisas aí, Suga? – Perguntou o Dr. Kim, entrando no cômodo com o mesmo espírito alegre de sempre.

— A própria definição de merda, na verdade. – Falei, e Dr. Kim ri, já arrumando os instrumentos para a consulta.

— Bem, você tem todo direito, não é mesmo? – Balançou a cabeça, ajeitando o medidor de batimentos ao meu lado.

"Tenho merda de direito nenhum, eu sou um ingrato do cacete", pensei.

— Mas que briga você se meteu, não é mesmo? – Falou, mas não fora como um comentário maldoso. Era algo mais para descontrair o clima. — O que tem a dizer sobre isso?

Engoli a seco, procurando as palavras certas e lembrando da minha conversa com meus pais.

É verídico. O primeiro sermão a gente nunca esquece.

— Em minha defesa... Eles que se aproximaram. – Contei. — Eu estava de boas, junto com Ji... – Parei, olhando para o Dr. Kim, não sabendo se poderia contar todos os detalhes dessa vez.

— Aquele garoto, Park Jimin? – Chutou, me fazendo assentir.

— Sim. Estávamos conversando – "na verdade, se pegando", a minha mente corrige — quando eles se aproximaram e começaram a nos bater. Por motivo nenhum.

Eu me sentia péssimo escondendo a verdade do Dr. Kim. Não bastasse eu esconder coisas dos meus pais, para ele parecia ser pior. Não era nada comparado em dizer "estou bem", quando na verdade, parecia que eu estava prestes a ter um colapso.

— E você tem certeza que nunca viu aqueles caras na rua...?

O encarei, sabendo que não tinha como escapar, e falei:

— Não.

Eu sou um lixo.

O Dr. Kim concordou, sério.

Ele só ficava sério quando pensava algo, ou quando sabia de alguma coisa e não queria contar.

Mas o que poderia fazê-lo ficar desse jeito?

— Aquele garoto é legal. Bonito também. O Park. – Comentou do nada. Arqueei as sobrancelhas.

— Como assim, Dr. Kim?

O Dr. Kim balançou a cabeça.

— Só estou falando o óbvio. – Pegou um dos aparelhos. — Você gosta dele.

Se eu estivesse bebendo água agora, já teria me afogado ou cuspido tudo para fora. Mas, ao invés disso, fiz uma expressão de surpresa.

— É o quê...?

— Não precisa ficar com vergonha. – O Dr. Kim sorriu gentil. — É perfeitamente normal se apaixonar pelas pessoas.

— É que... – Desvio o olhar, totalmente sem palavras.

O Dr. Kim apertou minhas bochechas levemente – coisa que ele nunca fez –, e fez uma expressão fofa.

Awnt, meu paciente está crescendo. – Não resisti, e soltei uma risada alta e gostosa de ouvir. — Garoto de sorte. – Aproximou-se, e sussurrou: — Sabia que ele também gosta de você?

Me calei rapidamente.

Vendo que eu ficara sem jeito, o Dr. Kim balançou a cabeça, rindo.

— E ele está bem, se você quer saber. – Disse, finalmente fazendo o exame.

Após isso, ao juntar todos os aparelhos, apareceram meus pais novamente, e encarar seus rostos cheios de emoção me fez querer desaparecer para sempre.

Até lembrar da conversa. O rosto deles na hora. O que passavam por mim.

Minha mente era a minha própria emboscada.

— O médico já deu alta. – Minha mãe falou. Agora, se foi para mim ou o Dr. Kim, isso nunca saberei. — Vamos levá-lo para casa.

Engoli a seco, a dor nas costelas dando as caras. Mordi o lábio inferior, resistindo a dor.

— Bem, então vou indo. – Anunciou o Dr. Kim, e fiz uma expressão triste.

Se havia alguém que pudesse tirar todo o peso no clima daquele quarto, esse era Kim Namjoon, o médico animado.

Ao sair do quarto, olhei para o rosto de meus pais. Sabia que dali, perdoado eu sairia, mas o peso na consciência permaneceria.

Por que as coisas tem de ser tão difíceis?

can you see me? ☆ btsOnde histórias criam vida. Descubra agora